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Mostrando postagens de maio, 2009

Carpeaux e o método

“Um professor de matemática – é Lichtenberg que conta a história – explicou certa vez aos estudantes um teorema, acrescentando: ‘Existe uma excelente demonstração desse teorema, mas não tenho muito tempo e não me sinto hoje bem disposto. Vocês me conhecem. Sabem que sou fidedigno. Juro que o teorema é verdadeiro. E basta’. Gostaria de empregar esse mesmo ‘método’ de demonstração, jurando que O trapicheiro , o primeiro volume do roman-fleuve de Marques Rebelo, é muito bom; que é uma obra de valor extraordinário: e basta. Tempo, para demonstrá-lo, me sobra e disposição não me falta. Mas há vários outros motivos para justificar minha atitude axiomática. Antes de tudo: em que pesem os métodos científicos de crítica (dos quais aprovo muitos), não acredito que o valor de uma obra de arte possa jamais ser matematicamente demonstrado. A ciência não admite julgamentos de valor (v. Max Weber e Scheler); o desconhecimento dessa verdade leva os adeptos da crítica científica a prometer coisas que,

Dois poemas de Quintana

No próximo dia 5 de maio completam-se 15 anos desde a morte do poeta Mario Quintana (1906-1994). Por acreditar que a releitura de um livro é a maior homenagem que se pode prestar a um autor, releio Esconderijos do tempo . Publicado em 1986, quando o autor já tinha uma trajetória consolidada no contexto da poesia brasileira, o volume traz 49 poemas bastante reveladores tanto do estilo quanto das temáticas que marcaram a obra poética de Quintana. Como nos dois poemas transcritos a seguir, extraídos da belíssima Coleção Mario Quintana, organizada pela crítica literária Tânia Franco Carvalhal para a Editora Globo. Ah, mundo... Perdão! Eu distraí-me ao receber a Extrema-Unção. Enquanto a voz do padre zumbia como um besouro eu pensava era nos meus primeiros sapatos que continuavam andando que continuam andando -- rotos e felizes! – por essas estradas do mundo. Preparativos para a viagem Uns vão de guarda-chuva e galochas, outros arrastam um baú de guardados... Inúteis precauções! Mas, Se lev

Sobre um conto de Roberto Bolaño

B. é um escritor desconhecido que anda sem rumo entre cidades da França e Bélgica. Vive mudando de hotel, lê romances que depois joga no lixo, toma notas mas não escreve nada. Gosta de gêneros menores e de escritores desconhecidos. B. é o narrador de “Vagabundo na França e na Bélgica”, conto de Putas Assassinas (Companhia das Letras, 2008), do chileno Roberto Bolaño. Os personagens deste conto não têm nome, apenas iniciais, numa indicação de que os seres que habitam a narrativa já não têm mais identidade. Existência marcada pela extraterritorialidade, B é espanhol de origem, lê romances policiais em francês, idioma que mal conhece, assiste filmes falados em inglês e percorre os sebos em busca de autores esquecidos. A seguir, um pequeno trecho significativo do conto: “Na manhã seguinte pega um trem com destino a Paris. Hospeda-se no hotel da rue Saint-Jacques, em outro quarto, e dedica os primeiros dias a procurar nos sebos um livro qualquer de André du Bouchet. Não acha nada. Du Bouch