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Mostrando postagens de novembro, 2009

Anotações de um copista

Para que serve a literatura? Borges costumava responder a esta pergunta com outra: ninguém se questiona sobre a utilidade do canto de um passarinho ou das cores do céu ao entardecer, dizia. No ensaio que abre a coletânea A cultura do romance (recém chegado às livrarias, e que comentei aqui outro dia), o escritor peruano Mario Vargas Llosa argumenta, com sabedoria e perspicácia, que a literatura e, em especial, o romance, não é um passatempo de luxo, destinado a uns poucos felizardos (geralmente mulheres) que dispõem de tempo livre para a leitura desinteressada. Desses argumentos, copio: “ A literatura não diz nada aos seres humanos satisfeitos com seu destino, de todo contentes com a vida do modo como a vivem. A literatura é alimento dos espíritos indóceis e propagadora da inconformidade, um refúgio para quem tem muito ou muito pouco na vida, onde é possível não ser infeliz, não se sentir incompleto, não ser frustrado nas próprias aspirações. Cavalgar junto ao esquálido Rocinante e a

O poema e a realidade

Quando se é jovem, e os sonhos ainda não passaram pelo crivo da realidade, nem os projetos foram postos à prova, então lemos poemas e nos emocionamos com eles. Mas quando os barcos – bêbados de desejo – são arrastados por contra-ventos e marés e ameaçam bater em terras desconhecidas... Quando já não se imagina que, da leitura de um simples soneto, poderá haver emoção, o surpreendente acontece. Uma lágrima solitária verte e escorre pelo rosto vincado por tantas tardes e manhãs, “que enchem de cinza o coração da gente”. O que mais pedir de um poema? Basta que nos chacoalhe com seu cântico de certezas. Como na emoção despertada pela leitura do soneto XVI de A rua dos cataventos , de Mario Quintana. M.S.V. “Triste encando das tardes borralheiras Que enchem de cionza o coração da gente! A tarde lembra um passarinho doente A pipilar os pingos das goteiras... A tarde pobre fica, horas inteiras, A espiar pelas vidraças, tristemente, O crepitar das brasas na lareira... Meu Deus... o frio que a