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Mostrando postagens de junho, 2010

Proust , ou a leitura como resistência

Que eu me lembre, jamais tomei a palavra resistência em seu sentido politico, mas existencial. Há 25 anos, quando ainda vivia em Porto Alegre, cidade tão distante de onde estou hoje – e não era nem um pouco feliz por lá --, minha leitura de resistência de todas as noites era Em busca do tempo perdido , de Marcel Proust. Durante mil e tantas noites – e após um pesado e frustrante dia de trabalho – eu tentava decifrar aquelas páginas, aqueles parágrafos intermináveis, que eram sempre maiores do que a página. Na maioria das vezes, o sentido da frase proustiana me escapava por completo e era necessário voltar para reler e reler... O maior desafio ao leitor de Proust é a frase: orações subordinadas se sobrepõem a outras subordinadas, sempre entremeadas por longos apostos. Desejamos o ponto final, mas ele não chega. Proust sofria de asma, mas é o leitor que fica sem respirar. Em outras noites, o maior inimigo era o sono. De novo era preciso voltar a página para reler. Acostumei-me tanto a es

Drogba, ou a dignidade do futebol

Ele pode até nem fazer gol e seu time talvez seja derrotado para o Brasil hoje. Mas o atacante Drogba, da Costa do Marfim, entra em campo na condição de estrela. Uma estrela diferente entre os milionários atletas do futebol-negócio. Enquanto outras “estrelas” batem palmas em igrejas, ele usa o dinheiro de patrocínios para construir um hospital com 200 leitos em Abidjan, na Costa do Marfim. Só por isso já mereceria a vitória. O povo da Costa do Marfim precisa mais do sucesso no futebol do que nós, brasileiros. O Brasil não pode continuar sendo apenas o país do futebol. Nossas conquistas e nossa identidade precisam ser modeladas ou forjadas em outros setores da vida. *** A imprensa tem criticado o teinador Dunga por realizar treinos fechados. Esta talvez seja a postura mais corajosa já adotada por um treinador de futebol, pois representa uma defesa da privacidade em detrimento da espetacularização. Certamente Guy Debord aprovaria tal postura. Deixem o Dunga treinar sua equipe sossegado.

A pátria de chuteiras

A frase de Nelson Rodrigues ecoa como uma daquelas verdades incontestáveis numa tarde como a de hoje. Daqui a alguns minutos a seleção brasileira entra em campo para fazer sua estréia na Copa. No bairro onde moro, em São Paulo, só é possível ouvir o som estridente das vuvuzelas. A cidade inteira parou. Acho que o país inteiro fechou as portas para entrar em campo. Da janela de minha casa, posso ver dezenas de bandeiras verde-amarelas tremulando ao sol deste outono paulistano. A frase de Nelson ecoa novamente, como a dizer-me: para entender a cultura brasileira é preciso conhecer o futebol. Penso em Paul Auster e na sua sentença de que não se pode compreender a cultura norte-americana sem entender o basebol. Daqui a pouco o Brasil entra em campo. É hora de mergulhar no veneno-remédio chamado futebol. M.S.V.

O menino e a biblioteca

O menino lê Jorge Luis Borges na Biblioteca Pública de sua cidade. No salão imenso, com cadeiras de espaldar alto e mesas compridas, feitas de madeira sólida e escurecida pelo tempo, ele aguarda os livros chegarem por um pequeno elevador. A funcionária chama os leitores por um número e cada um se aproxima para pegar o exemplar que foi escolhido no imenso fichário localizado na sala ao lado. Nada de computadores, nada de logins ou senhas. Foi nesta imensa sala de leitura que o menino descobriu o mundo da literatura. O pequeno livro solicitado desce pelo elevador e lhe chega às mâos. A leitura de O Aleph , de Jorge Luis Borges, lhe causa uma estranheza tão profunda e ao mesmo tempo tão sedutora, que o menino não consegue parar de ler. Estranheza diante de personagens tão singulares, de enredos que se passam em terras e épocas distantes. Na Biografia de Tadeo Isidoro Cruz , por exemplo, ele é levado a pensar que está diante de um perfil, já que todo o conto se estrutura em conformidade co