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Mostrando postagens de novembro, 2011

Poesia da gramática e do sabor

Viena. Meu jornal de leitura diária aqui é o Wiener Zeitung (“Vina tzaitung”, como me ensinou insistentemente a senhora da banca da esquina), um standard diferente dos nossos, pois tem mais largura e menos comprimento. A edição deste fim de semana tem 48 páginas divididas em quatro cadernos e esta estrutura se repete nos demais dias. O jornal é sóbrio e tem um bom equilíbrio entre texto e imagem. Desde o início me chamou atenção na banca, por destoar de tablóides populares como Kronen Zeitung e Österreich , ou o Heute , distribuído gratuitamente por toda a cidade. Os vienenses com quem tenho contato diário vêem meu esforço para aprender a pronúncia correta de palavras e expressões e me ensinam, com muito boa vontade. Mas observo que nem todos tem disposição para dominar com fluência o idioma da cidade em que moram. Viena é hoje uma cidade com muitos imigrantes, vindos de continentes como Ásia e África. No metrô, vejo vários desses imigrantes falando alto ao celular, no seu idioma

Carpeaux, Canetti e o velho Instituto de Química de Viena

O Instituto de Química da Wahringerstrasse, em Viena, onde Carpeaux e Canetti estudaram na década de 1920  Viena. Em busca de rastros e pistas que me levem a reconstituir a trajetória do crítico e jornalista Otto Maria Carpeaux (1900-1978), conhecido aqui em Viena como Dr. Otto Karpfen, cheguei à esquina da Wahringerstrasse com a Turkengasse.  É nesse endereço que está localizado o Instituto de Química da Universidade de Viena, onde o jovem Otto Karpfen estudou entre os anos 1920 e 1925. Em suas memórias, o escritor búlgaro Elias Canetti (1905-1994) relembra os tempos em que estudou no mesmo Instituto da Wahringerstrasse, e descreve-o como “o velho instituto enfumaçado, situado no começo da Wahringerstrasse” ( Uma luz em meu ouvido , Companhia das Letras, trad. Kurt Jahn). Não há dúvida, é este o prédio, pensei, parado na calçada da Wahringer, numa fria tarde de inverno. Canetti viveu muitos anos em Viena e foi nessa cidade que conheceu Veza, com quem viveria por toda a vida. Vez

De turista a estrangeiro

Bicicletas para alugar na Maria Hilfer Strasse, Viena         Viena. Depois de quase um mês vivendo o cotidiano de uma cidade, a condição de turista dá lugar à de estrangeiro.  Isso possibilita um olhar ao mesmo tempo menos apressado e mais atento a detalhes que o cidadão que vive a rotina do dia-a-dia costuma ignorar.  Como, por exemplo, o sujeito que estende o copo pedindo umas moedas na escada da estação do metrô Burgasse , onde passo duas vezes todos os dias.         É essa mesma condição que me permite escutar nas ruas e no metrô os diferentes sotaques que, em alguns casos, imagino (apenas imagino, embora consiga perceber que não falam como o nativo de Viena), correspondam a dialetos de regiões como o Tirol, próximo da Itália, a Caríntia, mais ao Sul, ou a Upper Áustria, ao norte, que faz fronteira com a República Tcheca.         Esses falares que escuto diariamente sem entender não impedem a comunicação, pois a norma culta do idioma alemão serve de parâmetro e dá a um estran

Passeando pelo centro de Viena

Viena, 04/11/2011, 11h30. A capital da Áustria pode ser exemplo para muitas coisas, mas poucas são tão eloquentes quanto a relação que esta cidade estabelece com seu velho e histórico centro. Enquanto a imensa maioria das médias e grandes cidades assiste inerte, ou até estimula, uma expansão urbana que vai do centro para a periferia, deixando imensas áreas que já contam com infra-estrutura caminharem para a degradação, em Viena parece ocorrer um movimento contrário. Aqui o poder público valoriza, restaura e mantém o dinamismo de sua área central, chamada de Innere Stadt . O centro de Viena é uma espécie de cidade dentro da cidade, circundada por grandes avenidas que formam um único anel. O círculo começa no canal do Danúbio, segue pelas avenidas Shotternring, Karl Lueger Ring, Karl Renner Ring, Burgring, Opernring, Kartner Ring, Schubertstrasse Park Ring e Stuben Ring, para terminar novamente no Danúbio. Esta fisionomia urbana tem origem no século 19, quando uma ampla reforma altero

A língua em sua dimensão mais banal

Viena, 02/11/2011, 13h00. Já dizia Walter Benjamin que a linguagem não poderia ser definida por seu significado instrumental. Ao ressaltar o aspecto mágico e sua imediaticidade, o filósofo alemão buscava excluir esse viés utilitário da língua, para ele identificado com uma concepção burguesa da linguagem. Ora, é exatamente essa dimensão instrumental, condenada por Benjamin, que estou vivenciando nesses dias aqui em Viena, em que me sinto completamente cercado pelo idioma alemão. No hotel, nas ruas, no shopping, nos restaurantes e nos cafés, e até mesmo no quarto, quando ligo o aparelho de TV, o idioma está por todos os lados, penetrando pelos ouvidos e pelos poros, como um vírus. Confesso que, nos primeiros dias, senti-me acossado. Aos poucos, porém, passei a ficar à vontade com a situação. Afinal, essa viagem de pesquisa tem também esse objetivo: sanar as dificuldades de quem aprendeu o idioma depois dos 30 anos. Assim, minha única alternativa era procurar me comunicar em alemão, s