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Mostrando postagens de 2014

Rumo a Ítaca, sem pressa de chegar

O que quero de presente nesse dia? A resposta começa com um inevitável lugar comum: saúde para o corpo e a mente. Afinal, a partir dos 50 anos, o sentimento de finitude se impregna ao dia a dia. E cada dia vivido é menos um no balancete da existência.  Desejo também sabedoria para envelhecer: sem ressentimento, nem ira; e, sobretudo, sem abandonar os sonhos de juventude: aqueles mesmos sonhos que vamos adiando em função da cruel necessidade de ganhar a vida. Faço votos de que o caminho seja longo ainda, com numerosas manhãs de verão, junto aos que amo, aos que admiro, aos que fazem parte de minha vida. Faço votos de que o caminho seja “repleto de aventuras, repleto de saber”, como escreve o grego Kaváfis no belo poema “Itaca”, que transcrevo a seguir, como agradecimento a todos aqueles que enviaram-me suas saudações e lembranças nesse dia comum para todos, menos para quem faz aniversário. Obrigado e curtam Kaváfis. ÍTACA Konstantinos Kaváfis Se partires um dia rumo a Ítaca,

Nossa língua é nossa pátria

Enquanto aguardo, no aeroporto de Berlim, o vôo que me levará de volta para casa, fico a pensar no quanto é difícil esta operação de vir à Europa, em especial para nós, que moramos do outro lado do Atlântico. Para além do custo financeiro, que dispensa comentários, penso em especial nas barreiras culturais e linguísticas que nos separam (os latino-americanos), dos europeus. Principalmente se o motivo da viagem não é turístico, mas acadêmico. Mesmo correndo o risco de generalizações, listo alguns tópicos que surgiram nesses dias, a partir da convivência que tive, por exemplo, com hispano-americanos em Berlim. Observo hispano-americanos cumprimentando-se, conversando à mesa do café ou do almoço, discutindo suas pesquisas, buscando constantemente o diálogo.  É visível o contraste com os funcionários do hotel, todos alemães, seguindo rigorosamente seus procedimentos, muitas vezes exasperados com o comportamento espontâneo dos latinos.   A civilização do erro (sem culpa, diga-s

Do Holocausto a Gaza, em Berlim

Potsdamer Platz, no centro de Berlim Na terça-feira passada entrei numa estação de metrô em Berlim. Estudei brevemente o mapa, disponível em todos os cantos da cidade, e fui perguntando... De resposta em resposta, cheguei à Potsdamer Platz , a imponente estação de metrô encravada no centro da cidade. Meu objetivo era chegar à Avenida Unter den Linden e seus famosos cartões postais, como o Portão de Brandenburgo, o Tiergarten e o Memorial do Holocausto. Mas antes foi preciso tomar um café. Sou um turista sem planos, sem mapa, sem guia. Acredito que é assim que se conhece uma cidade. Mas quando cruzei a esquina da Leipziger Strasse com a Eberstrasse e dei de cara no Muro, ou com o que restou dele, fui tomado de emoção. Mesmo sabendo que aquilo era apenas um souvenier , uma medalha que os alemães exibem para o mundo, não pude deixar de olhar com atenção para aquele pedaço de concreto borrado de pixações, colocado num pedestal no meio da calçada. O que resta do Muro é exibido

Hallo aus Berlin!

O taxista palestino que me levou do Aeroporto de Berlim ao Hotel freou de repente o carro e estendeu-me a mão quando eu lhe disse que era brasileiro. “No Brasil tem muitos palestinos”, disse-me, com um certo ar de identificação, ou melhor, com um olhar out of place, como diria o também palestino Edward Said.   Sari está em Berlim há doze anos, sustenta mulher e três filhos com seu trabalho de taxista no Aeroporto Tegel e fala mais o inglês do que alemão. Acho até que ele prefere mesmo o inglês, e essa preferência talvez se deva ao baixo grau de assimilação de Sari à cultura local. Como língua e cultura são entidades inseparáveis, Sari prefere manter-se como um palestino no exílio. No rádio do táxi toca música árabe, mas ele logo desliga, por educação. Pelo que pude ver hoje, há muitos imigrantes asiáticos e árabes em Berlim. Minhas primeiras impressões são de encantamento e fascínio por esta cidade que já foi a “capital do Terceiro Reich”. Caminhando pelos bairros do Dahlem e Ste

García Márquez: a ficção como remédio para a alma

O escritor colombiano Gabriel García Márquez Foi no verão de 1980 que li pela primeira vez Cem anos de solidão , de Gabriel García Márquez. Naquela época, vivia acossado por uma crise existencial provocada pelo simples fato de ter 17 anos e não vislumbrar sentido algum para a vida. É claro que esses elementos sozinhos não provocam uma crise: foi preciso uma pitada de literatura para potencializar os humores, o que ocorreu durante e depois da leitura de A Náusea , o romance filosófico de Jean Paul Sartre. O remédio para a crise veio com a literatura de García Márquez, que então descobria. Ainda hoje lembro o estranhamento e o fascínio provocados já nas primeiras páginas pelo mundo mágico de Macondo, a pequena aldeia feita de casas de barro e taquara onde viviam personagens inacreditáveis, e cujos nomes se repetiam, como os Aurelianos e os Josés Arcadios. Poucas obras literárias são tão ficcionais quanto a de García Márquez. Sua mente foi capaz de criar um mundo extraordinariame