sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Literatura em perigo não é novidade


Eis um livro que não está nem estará em minha mesa. Trata-se do recém lançado A literatura em perigo, de Tzvetan Todorov (Trad. de Caio Meira, Difel, 96 p,., R$ 25). Não, caro leitor, não se trata de arrogância, desprezo ou falta de interesse pelo tema que, aliás, é dos mais importantes de nossa época.

Nesta obra, Todorov – um dos principais expoentes do estruturalismo francês – argumenta que o ensino e a pesquisa de literatura, feito por críticos e professores, está contribuindo para torná-la cada vez menos relevante na sociedade. Em síntese, argumenta que nas escolas e universidades (ele aborda exclusivamente a situação francesa, mas o que diz de lá vale igualmente para o que ocorre aqui) a preocupação metodológica e teórica tomou o lugar dos textos ficcionais.

Ora, qualquer um que conheça o que se passa num curso de Letras sabe que isso não é novidade. Para se institucionalizar enquanto área do conhecimento, as sub-áreas acadêmicas ligadas ao ensino e ao estudo das literaturas necessitaram constituir-se teoricamente. Aos poucos, os cursos de literatura foram se tornando cada vez mais teóricos e distanciando-se tos textos ficcionais.

Sei que estou generalizando e corro o risco de ser injusto com muitos dos excelentes professores de literatura que sabiamente conseguem combinar as duas coisas. Eu mesmo já tive aulas na USP com mais de um desses mestres, mas também já freqüentei cursos de literatura comparada que comparavam apenas teoria e nada diziam da criação literária.

Não é preciso ler este livro para saber que a literatura corre perigo. O assunto é antigo. Que o diga Paul Valéry, como nesta passagem incômoda mas verdadeira:

“Entre esses homens sem grande apetite pela poesia, que não conhecem a necessidade dela e que não a teriam inventado, quer o infortúnio que figure uma boa quantidade desses cuja tarefa ou destino é julgá-la, discorrer sobre ela; e, em suma, distribuir o que eles não tem. A isso dedicam, com freqüência, toda a sua inteligência e todo o seu zelo: e disso podem resultar conseqüências temíveis.”

Caro senhor Todorov; o senhor não tem o direito de publicar um livro como esse, pelo simples fato de que contribuiu para esse estado de coisas. Ou será que devemos esquecer todos os seus artigos?
M.S.V.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Um abrigo contra o esquecimento

É preciso um talento incomum para transformar uma história de amor numa narrativa esteticamente convincente. Carta a D., de André Gorz (Trad. Celso Anzann Jr., Annablume/CosacNaify, 80 págs. R$ 29,00) consegue sair-se muito bem deste desafio.

Movido pelo desejo de recontar a trajetória de uma relação de quase seis décadas para compreender o sentido de sua própria existência, o narrador (autobiográfico) se lança na difícil tarefa de elaborar o passado. No entanto, o ato de lembrar não tem o sentido de culto ao passado: o que se vê são as lembranças iluminando o presente.

E sem preocupações de ordem cronológica. Uma lembrança puxa outra, num fluxo por vezes aleatório, mas sempre comovente. Como o trecho que descreve o momento em que ele e sua mulher de toda a vida, Dorine, se conheceram, na Paris do pós-guerra.

“Nossa história começou maravilhosamente, quase um amor à primeira vista”, escreve. “Depois da terceira ou quarta saída, eu afinal beijei você”, relembra Gorz, em meio a relatos sobre as dificuldades para sobreviver e, mais ainda, viver como intelectual numa cidade como Paris, sem ter relações com pessoas influentes.

André Gorz e Dorine viveram juntos durante quase seis décadas “obsessivamente dedicados um ao outro”. Ao recontar a história desse amor e dessa comunhão incomuns, Gorz revela sua crença na escrita enquanto mecanismo de compreensão do sentido de uma vida.

Escrita esta que, em sua concretude, promete ser um abrigo contra o esquecimento e contra a morte. Ao que Gorz conclui: “eu lhe escrevo para entender o que vivi, o que vivemos juntos”.
M.S.V.

  O Martelo, de Manuel Bandeira . As rodas rangem na curva dos trilhos Inexoravelmente. Mas eu salvei do meu naufrágio Os elementos mais cot...