Há certos livros que nos acompanham durante anos em releituras sucessivas. Por quase uma década, Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, foi meu livro de cabeceira. Naquela época, nos anos oitenta, carregava sempre comigo um dos sete volumes da Busca.
Certa vez, durante uma viagem, um vidro de perfume que trazia na mala quebrou, molhando o exemplar de Proust. Quando abri minha bagagem no hotel, as páginas de À sombra da raparigas em flor, o segundo volume da série, na bela tradução de Mario Quintana, exalavam o perfume derramado.
As folhas de Proust secaram e os anos passaram, mas até hoje quando abro aquele exemplar o suave perfume me transporta de imediato para aquele quarto de hotel.
As circunstâncias e o motivo da viagem desapareceram da memória, mas o cenário do hotel, aquele insignificante momento, em que nada de especial acontecera, está até hoje vívido na lembrança. Trata-se apenas uma cena, ativada pelo toque daquelas páginas até hoje manchadas de perfume. É a memória involuntária, o fenômeno recriado a todo instante naquela obra, e que tanto fascina seus leitores.
M.S.V.
sábado, 28 de março de 2009
quinta-feira, 26 de março de 2009
Naipaul e o enigma da chegada

Poucos escritores têm uma trajetória tão marcada pela distância de sua terra natal quanto V. S. Naipaul. Nascido em Trinidad, neto de brâmane e filho de um jornalista, Naipaul foi estudar em Oxford, na Inglaterra, quando tinha 18 anos. O que era para ser uma temporada de estudos, transformou-se numa permanência que dura até hoje. Mais do que isso: Vidiadhar Surajprasad (o V.S.) fez deste afastamento de suas origens a matéria-prima de sua ficção, que lhe valeu em 2001 o Prêmio Nobel de Literatura (foto).
Em O enigma da chegada, livro que releio agora após dez anos, Naipaul faz um acerto de contas com o passado. Isto por que, para ele, abraçar a carreira de escritor significava ao mesmo tempo adotar o inglês como idioma e romper com as próprias origens. “A pequenez colonial que não se coadunava com a grandeza de minha ambição”, lembra o escritor a certa altura deste livro.
O tema de O enigma da chegada gira em torno deste desejo de realizar-se como escritor num país estrangeiro, e isso implica refletir sobre a própria trajetória:
“Eu me tornara escritor após um longo período de preparação! E então descobri que ser escritor não era (como eu imaginava) um estado -- de competência, ou realização, ou fama, ou contentamento – aonde se chegava ou onde se permanecia.” Esta carreira trazia uma angústia específica: todo o trabalho que um livro me custara, todos os desafios e satisfações que ele me proporcionara, o tempo depois levava-os embora. E, com a passagem do tempo, eu sentia que minhas realizações passadas zombavam de mim; pareciam pertencer a uma época de vigor, que agora havia terminado para sempre. Voltavam o sentimento de vazio, a ianquietação; e tornava-se necessário mais uma vez, com base em meus recursos interiores apenas, empreender este processo exaustivo de novo.”
Este é o enigma de tornar-se escritor. Este é o enigma da chegada de Naipaul.
M.S.V.
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