quarta-feira, 29 de julho de 2009

"O cacto", de Bandeira

Houve tempo em que a leitura de poemas era para mim um hábito quase diário. Tenho a impressão de que a poesia é mais necessária quando somos jovens e estamos ainda em busca de um caminho.

Entre os poetas brasileiros, Manuel Bandeira talvez tenha sido o autor ao qual mais retornei para releituras. E não havia mediação crítica nessas leituras. Só muito mais tarde, já aluno de Teoria Literária na USP, é que acrescentei à minha experiência de leitura as análises do crítico literário e professor Davi Arrigucci Jr.

Foi num de seus cursos que conheci O cacto, um pequeno poema que o professor Davi analisava em aula. De seu método, guardei para sempre a atitude que todo leitor deve ter diante da poesia, antes mesmo da interpretação: trata-se da escavação filológica, procedimento aberto por Erich Auerbach. Publicado em 1925, O cacto impressiona pela beleza áspera que exala de seus versos.

“Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:
Laocoonte constrangido pelas serpentes,
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco Nordeste, carnaubais, caatingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.

Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.
O cacto tombou atravessado na rua,
Quebrou os beirais do casario fronteiro,
Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,
Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas
[privou a cidade de iluminação e energia:

- Era belo, áspero, intratável.

Este poema é exemplar da peculiaridade da poesia de Manuel Bandeira, obra forjada, no dizer de Arrigucci Jr., num momento decisivo, “intenso e complexo da história cultural brasileira na década de vinte, quando se renova a consciência artística nacional e vão se firmando em nosso meio as tendências da arte moderna”. (O cacto e as ruínas, p.11)

Concebida em meio aos embates entre tradição e renovação, arcaísmo e modernismo, velho e novo, atraso e desenvolvimento, a poética de Bandeira cataliza e expressa as contradições históricas da década de 20. Revela também o diálogo do poeta com a tradição literária, visível no segundo e terceiro versos da primeira estrofe, em que aparece o drama de Laocoonte sendo devorado pelas serpentes.

A Divina Comédia, de Dante, está presente no episódio do conde Ugolino, que, na prisão, devora os próprios filhos para não morrer de fome (Canto XXXIII, do Inferno).
O cacto foi escrito em Petrópolis, RJ, em 1925. É mesmo um poema belo, áspero e surpreendente até hoje.
M.S.V.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Um Orkut do livro?

É muito bem-vindo o surgimento de O livreiro, uma rede social dedicada ao mundo do livro. Lançada na Flip deste ano, em Paraty, o projeto, ainda em fase experimental, pretende ser um agregador de conteúdo ligado à leitura e ao livro.
Criado pela Infoglobo, empresa que edita o jornal O Globo, entre outras publicações, O Livreiro pretende ser um espaço de relacionamento para todos aqueles que gostam de ler, independente de gênero, preferência, faixa etária etc. A home do site explica que se trata de “uma rede social para quem gosta de livro. De qualquer tipo: poesia, história, música, internet, comportamento, clássicos, quadrinhos, filosofia, gastronomia”.
Além de criar páginas pessoais, os internautas poderão expandir a teia adicionando amigos, criando comunidades e conectando-se aos mais variados tópicos, sempre ligados ao mundo do livro. Num país de poucos leitores, como o Brasil, a iniciativa deve ser não apenas aplaudida, mas disseminada entre os jovens.
M.S.V.

  O Martelo, de Manuel Bandeira . As rodas rangem na curva dos trilhos Inexoravelmente. Mas eu salvei do meu naufrágio Os elementos mais cot...