
O que pode haver de mais visível para a produção de um poeta do que ter seus poemas riscados nos céus pela fumaça de um avião? Toda a população da cidade sai às ruas para para ver as exibições de poesia aérea de Carlos Wieder, o protagonista de Estrela distante, novela do chileno Roberto Bolaño (Companhia das Letras, Trad. Bernardo Ajzenberg).
Nesta obra, em que personagens inventados convivem lado a lado com figuras reais, e a autobiografia se mistura à ficção, a temática parece ser mesmo a literatura. Daí que a primeira associação que se pode fazer é com Jorge Luis Borges. Mas se no escritor argentino a recriação literária seduz o leitor, de modo a fazê-lo mergulhar ainda mais naquele universo mágico e labiríntico que tanto nos fascina, em Bolaño o sentimento é diverso.
Há uma sensação de derrota, de descrença na literatura que nos deixa perplexos. Bolaño é um escritor que não acredita na literatura e as razões desta atitude estão ligadas ao contexto histórico do Chile e que correspondem aos anos de formação do escritor.
Aqui chegamos ao pano de fundo deste livro, em que a história chilena aparece de uma forma ao mesmo tempo silenciosa e assustadora. Este talvez seja um dos achados de Bolaño: retratar o Chile pós-Allende, as torturas, os assassinados e o próprio esfacelamento da sociedade civil chilena sem recorrer à documentação de época, sem fazer uso da fórmula fácil do romance histórico.
A originalidade de Bolaño talvez resida nesta maneira opaca com que o histórico aparece e se mistura à ficção. No centro da narrativa está a figura enigmática e dissimulada de Carlos Wieder, o piloto da Força Aérea que risca os céus de Concepción com suas poesias-aforismos. Criação literária ou apenas uma forma de prestidigitação?
M.S.V.