A frase acima é a pichação na instalação de Nuno Ramos feita ontem na abertura da 29ª. Bienal de Arte de São Paulo. De acordo com reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo, um rapaz invadiu a obra Bandeira Branca, que mantinha três urubus vivos como parte da instalação, e pichou a frase “liberte os urubu (sic)”. Após o ocorrido, houve confronto entre seguranças e manifestantes, que incluíam, além dos pichadores, representantes de entidades de defesa dos animais.
Não quero entrar no mérito do uso de animais na instalação. Aliás, pelos que li nas reportagens, Nuno Ramos tinha autorização para fazer uso dos urubus, nem há notícia de maus tratos. A importância do fato está na reação do artista, que mandou limpar imediatamente a obra, apagando assim aquilo que considero uma oportuna intervenção dos pichadores na obra. Vejam só o que ele disse após ocorido:
“Nesse lugar que é a Bienal, o outro aparece numa condição de agressão. Não estou chocado, não estou com raiva, vejo como algo atrasado”. Nuno Ramos mostrou-se incapaz de compreender a atitude transgressora. Talvez tenha esquecido que ele próprio já foi um transgressor na arte, com suas esculturas gigantes e instalações feitas com os mais inusitados materiais, inclusive lixo. Uma das mais chocantes de suas instalações foi aquela em que lembrava a chacina do Carandiru. E assim ele foi construindo sua reputação.
Mas isso era num tempo em que o artista ainda era um aspirante à consagração no campo das artes. Um pretendente, diria Bourdieu. Como agora ele já pertence ao establishment da arte, ou seja, já se tornou um artista legitimado, age como um conservador da posição que ocupa. Tudo muito previsível.
A foto acima (Filipe Araujo/AE), a Bandeira Branca pichada, que está nos jornais de hoje, entrará para a história da arte e da Bienal como um capítulo fugaz, mas que reflete a luta entre artistas legitimados e não legitimados (os pichadores). Principalmente por que ela não existe mais, já que foi apagada ontem mesmo.
Se não tivesse ficado mesmo chocado, como afirmou à imprensa, Nuno Ramos não teria mandado retirar a pichação, mas a teria incorporado à sua instalação. Uma intervenção (i)legítima numa obra legitimada! O episódio mostra que os pichadores parecem estar à frente dos artistas consagrados. Estes, aliás, permanecem comodamente instalados no lugar que conquistaram. A vanguarda virou museu.
M.S.V.