Numa tarde de abril de 1933, um homem de estatura pequena e andar curvado chega a um pequeno hotel de Varsóvia. Na recepção está Magdalena Gross, uma escultora de renome na cidade, que administra o hotel da família, local conhecido por ser ponto de encontro de intelectuais e escritores. O hóspede vem somente para o pernoite e seu objetivo é um só: entregar os originais de seu livro a Zofia Nalkowska, escritora influente nos meios literários da Polônia.
É através de Magdalena que o hóspede pretende chegar até Zofia. Impressionada com a obstinação do obscuro e modesto professor, ela aceita intermediar o contato. O candidato a escritor terá dez minutos para mostrar a que veio. Corre até a casa da escritora para um encontro rápido. Em pé, ele começa a ler a primeira página de seu livro. Logo ela o interrompe e pede para que o visitante a deixe sozinha com seu manuscrito. Lê apenas 30 páginas, mas é o suficiente para constatar que está diante de algo extraordinariamente novo na literatura de seu país.

O manuscrito que tanto impressionou Madame Zofia se chama
Lojas de canela, e seu autor é Bruno Schulz, escritor judeu polonês que nasceu em 1892 em Drohobycz, na então Galícia, hoje Ucrânia. Publicado em 1934, o livro significou o reconhecimento imediato do talento de Schulz, tornando-o objeto de culto de escritores como Philip Roth, Danilo Kïs e David Grossman, que escreveu um belo ensaio sobre Schulz na revista Serrote (Número 5, julhode 2010).
A história de Schulz, que começou tão promissora, foi uma sucessão de tragédias. Publicou apenas mais um livro, O sanatório sob o signo da clepsidra, em 1937, e escreveu alguns ensaios e resenhas. Deixou pinturas e desenhos impressionantes (como os dois que estão reproduzidos aqui). Teria também escrito um romance, intitulado O messias, que se perdeu durante a segunda guerra. Com a ascensão do nazismo, acabou prisioneiro no gueto de Drohobycz, onde foi assassinado por soldados da SS.
Muitas histórias e lendas envolvem a figura e a trajetória de Bruno Schulz. Grossman conta que até mesmo sua morte está envolta em mistério. Mas é fato que ele morreu no gueto e que a maior parte de seus papéis se perdeu. Contemporâneo de Franz Kafka e Robert Walser, as duas coletâneas de contos deixadas por Schulz permitem antever uma literatura próxima do fantástico.

Como escreve Grossman no ensaio publicado por Serrote, seus contos “são escritos numa linguagem que transborda vida, uma linguagem que é ela mesma o principal personagem das histórias e a única dimensão na qual elas poderiam existir”.
Eis um escritor para ser descoberto.
M.S.V.