quarta-feira, 27 de julho de 2011

A modernidade na periferia do país

Estive em Porto Alegre há algumas semanas e aproveitei para voltar à Casa de Cultura Mário Quintana. Quem entra nesse velho e imponente prédio da Rua da Praia, no centro da cidade, onde um dia funcionou o Hotel Majestic, e que já foi morada do poeta durante muitos anos, sente que está diante de algo muito maior do que um centro cultural.

Nos tempos áureos do Hotel Majestic, Porto Alegre era cenário da modernidade, de uma vida literária que incluía autores, tradutores, mercado editorial e leitores. Mário Quintana foi um desses personagens, mas havia muitos outros talentos circulando por lá.

Quando entrei numa sala que remetia à obra de Érico Veríssimo, pude ver algumas fotografias daquele que até hoje figura como um dos maiores nomes da literatura brasileira. As imagens retratavam as diferentes fses da carreira do autor de O tempo e o vento.

Todos os ícones que traduzem a figura de um escritor estão nessas fotos: Érico escrevendo, em viagem, brincando com o filho, posando ao lado de gatos, Érico à frente de sua máquina de escrever. É impressionante como Érico tinha consciência de sua imagem enquanto escritor. Não apenas escrevia, mas passava a imagem pública de que era alguém que vivia como escritor. Se pensarmos que sua carreira se desenvolveu nos anos 1960-70, surpreende que, numa Porto Alegre absolutamente periférica (não vai aí nenhum juízo de valor, mas antes uma crítica aos pontos de vista geograficamente centrais) havia um escritor que vivia enquanto tal. E que não deixava de registrar sua vida de escritor em imagens.

O fato, por si só, é revelador de que o ambiente que o cercava era autenticamente literário. Numa possível história da vida literária em Porto Alegre na segunda metade do século 20, Érico Veríssimo será um capítulo à parte, assim como Mário Quintana, a Editora do Globo, o Suplemento Literário do Correio do Povo. Enfim, são indicadores da modernidade no Sul do país.
M.S.V.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

As leituras profissionais e a "inutilidade” da ficção

Outro dia postei um comentário sobre a impossibilidade de se ler, nos dias de hoje, um romance de 600 páginas. O motivo era o lançamento de Liberdade, o mais recente livro do americano Jonathan Franzen. Quem tem tempo hoje para enfrentar 600 páginas?, perguntava então naquele post. Quanto mais adentramos na vida adulta (com seus inevitáveis compromissos), menos contato temos com a leitura de ficção. Leituras profissionais e/ou técnicas não contam.

A constatação me incomodou, pois meu ganha-pão é o ensino e as paredes de minha casa estão repletas de livros. Estou cercado de obras teóricas, de referências, dicionários, publicações acadêmicas, que utilizo em minha profissão. Mas é a literatura, que sempre trazia comigo e que sempre fez parte de minha formação? Foi preciso uma campanha de marketing para me despertar dessa letargia profissional. O estopim foi justamente o romance Liberdade, de Franzen.

Na Livraria que mais frequento, a Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, era impossível não dar de cara com o romance de Franzen, tão forte era a campanha publicitária do livro, com exemplares empilhados em locais estratégicos, posters, anúncios e o ineviátel apelo: “mais de um milhão de exemplares vendidos”. Além, é claro, do comentário crítico do jornal The Guardian, transformado em slogan: “o livro do ano e do século”. Sempre que vejo um comentário crítico ser usado como propaganda de um livro, como neste caso, penso que Adorno tinha razão quando comparou os críticos a mercadores.

Mas eis que não resisti e comecei a ler Liberdade. A primeira sensação é de estranhamento com aquele mundinho pueril da classe média norte-americana. Aos poucos, porém, o leitor vai se envolvendo com os hábitos dos personagens, seus pensamentos, suas ações. A primeira dessas personagens a ser construída pela narrativa é Patty Berglund, a protagonista. A narrativa de Franzen é ágil e envolve o leitor. Quando me dei conta, já tinha lido quarenta páginas, numa sentada. Fui fisgado. Volto ao romance.
M.S.V.

  O Martelo, de Manuel Bandeira . As rodas rangem na curva dos trilhos Inexoravelmente. Mas eu salvei do meu naufrágio Os elementos mais cot...