Que livros levar numa viagem em que o trabalho solitário será uma constante? “Nem um livro em língua portuguesa”, penso de imediato. Desejo e ao mesmo tempo temo o isolamento linguístico. É para isso que também vou: dominar, compreender, agarrar (verstehen,greifen) este idioma que tanto me fascina.
Outra voz me aconselha a colocar na bagagem aqueles livros que, desde que me lembro, sempre funcionaram como um tipo muito particular de auto-ajuda: os parágrafos intermináveis de Marcel Proust e os poemas de Manuel Bandeira e Mario Quintana. E também aqueles ensaístas que jamais deixei de reler: George Steiner, Roberto Schwarz, Edward Said e Beatriz Sarlo. Como não levar na mala a ironia de Machado de Assis, que nos fortalece para a vida ou as iluminações (sempre à mão) de Walter Benjamin. Ou ainda a escrita fantástica de Borges, que prepara docemente a viagem noturna do sono.
Mas é em Quintana, leitura sempre noturna, que encontrei, nesta manhã de quinta-feira, o breve e belo Matinal, que me prepara para o dia:
“O tigre da manhã espreita pelas venezianas.
O vento fareja tudo.
Nos cais, os guindastes – domesticados dinossauros –
Erguem a carga do dia.”
O poema está em Baú de espantos, livro que Quintana publicou em 1986, quando já era conhecido em todo país. Imagino-o acordando num quarto do Hotel Majestik, na Rua da Praia, em Porto Alegre, onde morou durante muitos anos, que naquela época devia ainda ter janelas do tipo venezianas. Por entre elas, o poeta podia espreitar o dia, espalhando seu olhar até o cais do porto, situado um pouco mais à frente, onde avistava os enormes guindastes que descreve no poema. A manhã espreita, o vento fareja... Preparo minha viagem.
M.S.V.
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
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