Três romances me marcaram desde sempre: O Continente, de Érico Veríssimo, Ninguém escreve ao coronel, de Gabriel García Márquez e Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust.
Essas histórias remetem a três dimensões de minha formação: o primeiro fala das
origens, em uma região específica do Brasil, e que sempre precisam ser
superadas; o segundo expõe a contingência e as implicações de ser latino-americano.
E o terceiro remete à tradição ocidental, da qual somos ramos tardios.
Esses três romances ajudaram-me e ainda me ajudam a entender quem sou e o
que estou sendo. Compartilho, a seguir, as inesquecíveis primeiras linhas desses
três romances. (M.S.V.)
“Era uma noite
fria de lua cheia. As estrelas cintilavam sobre a cidade de Santa Fé, que de
tão quieta e deserta parecia um cemitério abandonado. Era tanto o silêncio e
tão leve o ar, que se alguém aguçasse o ouvido talvez pudesse até escutar o
sereno da solidão”. (O Continente 1, de Erico Veríssimo)
“O Coronel destampou a lata do café e notou que apenas restava uma
colherinha de pó. Tirou a panela do fogo, jogou no chão de barro batido a
metade da água e raspou de faca todo o interior da vasilha, até botar na panela
o que restava, uma mistura de raspas com ferrugem. Sentado junto ao fogão, em
atitude de confiada e inocente expectativa enquanto o café não fervia, o
Coronel como que sentiu brotar de suas tripas cogumelos e lírios malignos. Era
outubro. Eis uma manhã difícil de vencer, esta, mesmo para um homem de sua
fibra, sobrevivente de tantas outras manhãs. Havia cinqüenta e seis anos –
desde que acabara a última guerra civil – que ele não fazia outra coisa senão
esperar. Outubro era uma dessas raras coisas que chegavam”. (Ninguém
escreve ao coronel, de Gabriel
García Márquez).
“Durante muito tempo, costumava deitar-me cedo. Às vezes, mal apagava a
vela, meus olhos se fechavam tão depressa que eu nem tinha tempo de pensar:
‘Adormeço’. E, meia hora depois, despertava-me a idéia de que já era tempo de
procurar dormir; queria largar o volume que imaginava ter ainda nas mãos e
soprar a vela”.(Em
busca do tempo perdido, Vol. 1 - No caminho de Swann, de Marcel Proust).