Nos últimos tempos, tenho pensado muito em vingança. Não no sentido banal da palavra, mas na vingança enquanto resposta a uma injustiça. Mais ou menos como o que fez Emma Zunz, a personagem de Jorge Luis Borges no conto homônimo, incluído em O Aleph (Ed. Globo, Trad. de Flávio José Cardozo). No desejo de vingar seu pai, injustamente acusado de um desfalque no caixa da empresa em que trabalhou a vida toda, ela monta uma estratégia limite, tão terrível quanto eficaz.
A vingança de Emma, que resultou em um assassinado, não a levou ao castigo. A justiça humana não tem lugar nesse conto de Borges. Pois Emma valeu-se do próprio corpo no corajoso estratagema que montou. Nem o asco de si mesma, nem a tristeza de ter chegado tão longe impediram-na de levar a cabo o planejado.
Foram dois tiros a queima roupa e o culpado estava no chão. Mas ela não podia ser castigada: afinal, era um ato de vingança com fim justo. Quando a polícia chegou, acusou o morto de ter abusado dela. Antes, porém, tomou providências para garantir a credulidade do ocorrido: procurou um homem na zona portuária da cidade com o fim único de forjar um estupro. O homem tomou-a por uma prostituta, pagou pelo serviço e desapareceu.
A atitude fria e calculista, com sabor de asco e tristeza, tinha um propósito: o homem que provocou injustamente a desgraça de seu pai, agora seria punido. Tão logo o matou, contou à policia sua versão, que se impôs a todos, já que, em essência, estava certa. A justiça, tardia, havia sido feita, embora tarde demais para mudar o destino de seu pai.
A narrativa de Borges é precisa, econômica nas palavras, mas plena de imagens, como no trecho a seguir: “Verdadeiro era o tom de Emma Zunz, verdadeiro o pudor, verdadeiro o ódio. Verdadeiro também era o ultraje que sofrera; só eram falsas algumas circunstâncias, a hora e um ou dois nomes próprios”.
M.S.V.