domingo, 19 de agosto de 2012

Vida de professor, destino de escrevente


Os poucos e exigentes leitores deste blog me perguntam por que tenho postado com menos freqüência nos últimos meses. Respondo com uma palavra: é a vida de professor universitário, que, com suas demandas tantas, quase não deixa tempo para a prática de uma escrita livre, dirigida ao público amplo, e não aos pares, como ocorre na vida acadêmica atual. Pois são tantas as atividades e incumbências que um professor de universidade pública brasileiro precisa cumprir atualmente que tudo deve ser direcionado ao campo acadêmico. Tudo precisa resultar numa entrada no Lattes, sob o risco de nada “render”. Vejo-me hoje transformado num escrevente acadêmico, imerso num laborioso e angustiante trabalho de Sísifo. “Onde se escondeu o projeto de uma carreira autoral?”, pergunto-me.
Releio o ensaio “escritores e escreventes”, de Roland Barthes, incluído na coletânea Crítica e verdade (Ed. Perspectiva). O texto é da década de 1950, mas parece ter sido escrito ontem, pois ajuda, e muito, a pensar sobre as políticas implícitas no ato da escrita. Sua definição de escrevente, em oposição ao conceito de escritor, é lúcida e precisa.
“Os escreventes são homens transitivos: eles colocam um fim (testemunhar, explicar, ensinar) para o qual a palavra é apenas um meio; para eles, a palavra suporta um fazer, ela não o constitui. Eis, pois, a linguagem reduzida à natureza de um instrumento de comunicação, de um veículo do ‘pensamento’. Mesmo se o escrevente concede alguma atenção à escritura, esse cuidado nunca é ontológico: não é preocupação”, escreve Barthes. Para o escrevente, o ato da escrita não é intransitivo. Sua escritura está sujeita a demandas, vindas do mercado, da academia, das instituições. Voltarei ao assunto.
M.S.V.

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