quarta-feira, 31 de julho de 2013

Murakami, a corrida e a escrita

O escritor Haruki Murakami (Foto: Divulgação)
Sabemos que todo escritor, seja ele um ficcionista, biógrafo ou ensaísta, para ser bem sucedido no que faz, precisa de talento. Mas isso não é tudo e podemos compensar a falta ou o pouco talento com duas outras qualidades: concentração e perseverança. “Felizmente essas duas disciplinas – concentração e perseverança – são diferentes do talento, uma vez que podem ser adquiridas e aperfeiçoadas por meio de treinamento”, escreve Haruki Murakami, em Do que eu falo quando eu falo de corrida.
Neste relato autobiográfico, o escritor japonês, que já tem vários de seus romances publicados no Brasil (Editora Alfaguara), vale-se de sua experiência de corredor de longas distâncias (participou da maratona de Nova York, entre outras) para refletir sobre o ato de escrever, no seu caso, romances.
Leio as observações de Murakami pensando em meus próprios desafios de escrita, no momento em que desenvolvo uma pesquisa de longa duração e que ainda está apenas nos esboços iniciais. Concentração e perseverança são atributos difíceis de adquirir, mas, segundo ele, fundamentais para um trabalho de longa duração.
“Sem isso (concentração) não se pode realizar nada de valor, ao passo que se você for capaz de se concentrar eficientemente, conseguirá compensar um talento errático ou até a falta de talento. Eu geralmente paro para escrever de três a quatro horas todas as manhãs. Sento em minha mesa e me concentro totalmente no que estou escrevendo. Não olho para mais nada, não penso em mais nada”, escreve Murakami.   
Além da concentração, o segundo atributo para quem escreve ou pesquisa é a capacidade de perseverar. Como isso se traduz? Acumulando energia para se concentrar no seu projeto dia após dia, sem falta, durante um semestre, um ano, dois anos. Como combinar essas qualidades com o ritmo frenético da vida academia, que transforma o dia a dia numa sucessão de tarefas e compromissos fragmentados? Nas férias? No semestre sabático, para os poucos que o possuem?
Deixo para o final a síntese do método de Murakami: “você aprenderá naturalmente a ter tanto concentração quanto perseverança quando sentar todo dia diante de sua escrivaninha e treinar a mente a se concentrar em uma coisa só”. Esse é o meu desafio e agora sei que não é uma utopia.

M.S.V. 

domingo, 28 de julho de 2013

Maneiras de ver/modos de ler

A imaginação é um caminho para o conhecimento. No Prefácio a Stendhal, o crítico francês Roland Barthes reafirma seus métodos e maneiras de ler uma obra: a sensação enquanto ponto de partida do conhecimento, que era também, segundo Barthes, o caminho de Stendhal. Primeiro é preciso se deixar deslumbrar pelo fenômeno; só depois vem o juízo, “que retoma a sensação, detalhando-a, e acaba por transformá-la em percepção, atividade verdadeira em que todo homem se empenha”. (Roland Barthes, Inéditos, Vol. 2 – Crítica, p. 137).
Esse esquema interpretativo revela-se fértil e necessário, num momento em que o trabalho dos conceitos transformou-se em mera ferramenta com usos generalizados. Por mais de uma vez escutei a frase, dita por colegas: “A análise do discurso é ótima, pois resolve qualquer coisa”. De minha parte, tenho sempre procurado adotar o seguinte procedimento: é o objeto que funda o método, e não o contrário. Pode não resolver muito a situação, mas pelo menos diminui um pouco o mecanicismo metodológico.
Cada vez mais acredito que, como escreve Barthes, “conhecer é ir com ardor à caça da sensação, tirar proveito dos acasos e, ao mesmo tempo, suscitar as ocasiões”. (Idem, ib, p. 138)

M.S.V. 

sábado, 20 de julho de 2013

Comunicação e literatura em fricção

Será possível (re)aproximar a comunicação da literatura? Pois este é um dos propósitos da coletânea Pensamento comunicacional latino-americano através da literatura (São Paulo: Intercom, 2013). O livro reúne trabalhos apresentados XVI Colóquio Internacional da Escola Latino-americana de Comunicação, realizado de 08 a 10 de agosto de 2012, na UNESP de Bauru.
O tema do encontro, “pensamento comunicacional latino-americano através da literatura”, foi concebido com a finalidade buscar o diálogo entre duas áreas que, por definição, estão em lugares opostos e, não raro, sempre em contenda ou, no mínimo, em fricção. O livro traz o melhor do que foi apresentado no Colóquio. A seguir, transcrevo trechos da Introdução ao livro, intitulada “Comunicação, ficção e a função integradora dos saberes” (p.15-21):
“Dividido em quatro partes, inicia com uma homenagem a Jorge Fernández feita por seu filho, o equatoriano Marcelo Fernández, seguida por artigo de José Marques de Melo, que destaca a trajetória deste pioneiro dos estudos de comunicação na América Latina. Em seguida, traz artigos que abordam o diálogo entre comunicação e literatura de autoria de Muniz Sodré, Tania Rosing, Cremilda Medina, Sinval Medina e Laan Mendes de Barros, cinco renomados especialistas no tema central do evento.
A obra também aborda alguns aspectos contemporâneos da questão, trazidos pelo olhar de ilustres pesquisadores do campo da comunicação, como Maria Cristina Gobbi, Elizabeth Gonçalves, Isabel Travancas, Francisco Sierra Caballero e Sebastião Albano da Costa. Na quarta parte da coletânea, o diálogo entre comunicadores e ficcionistas se revela na abordagem de Mauro Souza Ventura, Antonio Hohlfeldt, Esmeralda Villegas Uribe e Sônia Jaconi.
Mais do que diálogo, o que se viu durante o XVI Celacom -- e o leitor poderá comprovar nos textos desta coletânea --, foi uma evidente demonstração da atualidade das relações que permeiam e dão forma aos campos da comunicação e da literatura. Afinal, seria possível pensar a Comunicação por meio da ficção, ou vice-versa? Os painéis e debates apresentados no Celacom 2012 mostraram que esses dois campos podem e devem permanecer em diálogo”.

M.S.V.

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