quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Nossa língua é nossa pátria

Enquanto aguardo, no aeroporto de Berlim, o vôo que me levará de volta para casa, fico a pensar no quanto é difícil esta operação de vir à Europa, em especial para nós, que moramos do outro lado do Atlântico. Para além do custo financeiro, que dispensa comentários, penso em especial nas barreiras culturais e linguísticas que nos separam (os latino-americanos), dos europeus. Principalmente se o motivo da viagem não é turístico, mas acadêmico.
Mesmo correndo o risco de generalizações, listo alguns tópicos que surgiram nesses dias, a partir da convivência que tive, por exemplo, com hispano-americanos em Berlim. Observo hispano-americanos cumprimentando-se, conversando à mesa do café ou do almoço, discutindo suas pesquisas, buscando constantemente o diálogo. É visível o contraste com os funcionários do hotel, todos alemães, seguindo rigorosamente seus procedimentos, muitas vezes exasperados com o comportamento espontâneo dos latinos. 
A civilização do erro (sem culpa, diga-se) confronta a civilização da certeza. Atravessaram o Atlântico, chegaram a um país de idioma estranho, mas sentiram-se em casa. A língua materna é sua pátria (Vaterland). E ela envolveu-os de tal maneira que pareciam estar em seu próprio país. Isso diminui a solidão.

M.S.V.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Do Holocausto a Gaza, em Berlim

Potsdamer Platz, no centro de Berlim
Na terça-feira passada entrei numa estação de metrô em Berlim. Estudei brevemente o mapa, disponível em todos os cantos da cidade, e fui perguntando... De resposta em resposta, cheguei à Potsdamer Platz, a imponente estação de metrô encravada no centro da cidade. Meu objetivo era chegar à Avenida Unter den Linden e seus famosos cartões postais, como o Portão de Brandenburgo, o Tiergarten e o Memorial do Holocausto.
Mas antes foi preciso tomar um café. Sou um turista sem planos, sem mapa, sem guia. Acredito que é assim que se conhece uma cidade. Mas quando cruzei a esquina da Leipziger Strasse com a Eberstrasse e dei de cara no Muro, ou com o que restou dele, fui tomado de emoção. Mesmo sabendo que aquilo era apenas um souvenier, uma medalha que os alemães exibem para o mundo, não pude deixar de olhar com atenção para aquele pedaço de concreto borrado de pixações, colocado num pedestal no meio da calçada.
O que resta do Muro é exibido como uma medalha aos turistas
Estava diante do Muro. Aquele mesmo muro que um dia foi o símbolo fatídico de um igualitarismo utópico, e que acabou desabando em nossas cabeças. Agora o Muro é só uma fotografia na parede, ou melhor, na calçada.
Mas o que doeu mesmo foi ver dezenas e dezenas de turistas passeando pelo Memorial do Holocausto, como se fosse um parque. Localizado à frente do Tiergarten, um bosque belíssimo na Unter den Linden, o Memorial do Holocausto estava cheio de turistas, todos sentados sobre os túmulos, uma sucessão de caixões de concreto cinza, que simbolizam os judeus mortos nos campos de concentração. Conversas, fotos, gente descansando de seu turismo-consumo, outros namorando nos corredores cinzentos daquele monumento em memória do genocídio, lanches, mais fotos.... Confesso que a imagem me entristeceu. Não fiz foto nenhuma do Memorial do Holocausto.
Quando olhava aquilo tudo, pensei em Gaza. Pensei nos palestinos, que também precisam de um Memorial, que também foram e continuam sendo vítimas de um genocídio. E pensei nas inúmeras Gazas que compõem o sofrido continente africano. Auchwitz, Gaza, Ebola, Berlim. Voltei para o hotel pensando que não posso retornar ao Brasil sem antes conhecer a Berlim que se esconde para além da Unter den Linden: a parte oriental da cidade, que começa em Alexander Platz.

M.S.V.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Hallo aus Berlin!

O taxista palestino que me levou do Aeroporto de Berlim ao Hotel freou de repente o carro e estendeu-me a mão quando eu lhe disse que era brasileiro. “No Brasil tem muitos palestinos”, disse-me, com um certo ar de identificação, ou melhor, com um olhar out of place, como diria o também palestino Edward Said.  
Sari está em Berlim há doze anos, sustenta mulher e três filhos com seu trabalho de taxista no Aeroporto Tegel e fala mais o inglês do que alemão. Acho até que ele prefere mesmo o inglês, e essa preferência talvez se deva ao baixo grau de assimilação de Sari à cultura local. Como língua e cultura são entidades inseparáveis, Sari prefere manter-se como um palestino no exílio. No rádio do táxi toca música árabe, mas ele logo desliga, por educação.
Pelo que pude ver hoje, há muitos imigrantes asiáticos e árabes em Berlim. Minhas primeiras impressões são de encantamento e fascínio por esta cidade que já foi a “capital do Terceiro Reich”. Caminhando pelos bairros do Dahlem e Steglitz, localizados no entorno do Jardim Botânico e da Freie Unviersität, onde estou para participar de um congresso, vê-se muita gente de bicicleta ou tomando sorvete pelas ruas ou nos cafés. Os berlinenses aproveitam os últimos dias de verão. Estou ainda muito longe da Unter den Linden, mas logo chegarei lá.

M.S.V.

  O Martelo, de Manuel Bandeira . As rodas rangem na curva dos trilhos Inexoravelmente. Mas eu salvei do meu naufrágio Os elementos mais cot...