terça-feira, 4 de novembro de 2014

Rumo a Ítaca, sem pressa de chegar

O que quero de presente nesse dia? A resposta começa com um inevitável lugar comum: saúde para o corpo e a mente. Afinal, a partir dos 50 anos, o sentimento de finitude se impregna ao dia a dia. E cada dia vivido é menos um no balancete da existência. 
Desejo também sabedoria para envelhecer: sem ressentimento, nem ira; e, sobretudo, sem abandonar os sonhos de juventude: aqueles mesmos sonhos que vamos adiando em função da cruel necessidade de ganhar a vida.
Faço votos de que o caminho seja longo ainda, com numerosas manhãs de verão, junto aos que amo, aos que admiro, aos que fazem parte de minha vida. Faço votos de que o caminho seja “repleto de aventuras, repleto de saber”, como escreve o grego Kaváfis no belo poema “Itaca”, que transcrevo a seguir, como agradecimento a todos aqueles que enviaram-me suas saudações e lembranças nesse dia comum para todos, menos para quem faz aniversário. Obrigado e curtam Kaváfis.
ÍTACA
Konstantinos Kaváfis
Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda espécie,
quando houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.
(Tradução: José Paulo Paes)

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