
Certa vez, durante uma viagem, um
vidro de perfume que trazia na mala quebrou, molhando o exemplar de Proust.
Quando abri minha bagagem no hotel, as páginas de À sombra da raparigas em flor, o segundo volume da série, na bela
tradução de Mario Quintana, exalavam o perfume derramado. As folhas de Proust secaram e os
anos passaram, mas até hoje quando abro aquele exemplar o suave perfume me
transporta de imediato para aquele quarto de hotel.
As circunstâncias e o motivo da
viagem desapareceram da memória, mas o cenário do hotel, aquele insignificante momento,
em que nada de especial acontecera, está até hoje vívido na lembrança. Trata-se
apenas de uma cena, ativada pelo toque daquelas páginas até hoje manchadas de
perfume. É a memória involuntária, fenômeno recriado a todo instante naquela
obra, e que tanto fascina os leitores. M.S.V.