sábado, 25 de outubro de 2008

O martelo


Simples, belo e forte esse poema de Manuel Bandeira.

As rodas rangem na curva
dos trilhos
Inexoravelmente.
Mas eu salvei do meu
naufrágio
Os elementos mais
cotidianos.
O meu quarto resume o
passado em todas as casas
que habitei.
Dentro da noite
No cerne duro da cidade
Me sinto protegido.
Do jardim do convento
Vem o pio da coruja.
Doce como um arrulho de
pomba.
Sei que amanhã quando
acordar
Ouvirei o martelo do
ferreiro
Bater corajoso o seu
cântico de certezas.
(Manuel Bandeira, “Lira dos cinqüentanos”, 1940).
M.S.V.

domingo, 19 de outubro de 2008

O Dostoiévski de Joseph Frank

Este é sem dúvida o mais completo estudo crítico-biográfico que alguém já dedicou a um autor. Obra em cinco volumes, o "Dostoiévski, de Joseph Frank é um caso raro de persistência, dedicação e talento dedicados ao comentário crítico. É, sem dúvida, muito mais do que isso, mas hoje gostaria apenas de recolher breves trechos sobre o método de trabalho de Frank. Do prefácio a "Dostoiévski, as sementes da revolta", o primeiro volume, anoto os seguintes trechos:
"Aos poucos fui compreendendo que, para fazer justiça à minha concepção de Dostoiévski, teria de apresentá-lo no contexto de uma sólida reconstrução da vida sociocultural de sua época. (...) Meu interesse pela vida pessoal de Dostoiévski é, portanto, estritamente circunscrito. (...) apenas me aprofundo nos aspectos dessa experiência cotidiana que parecem ter alguma importância decisiva, ou seja, aspectos que ajudam a comreender melhor seus livros.
"Não me movo da vida para a obra, mas sigo a direção inversa".
"Detenho-me na observação do ambiente sociocultural em que ele viveu. Foi desse ambiente que ele extraiu as idéias e valores com os quais assimilou toda sosrte de experiências que lhe foi dado viver".

Ao contrário do que costuma ocorrer nas biografias convencionais, em que os incidentes pessoais e os detalhes da vida particular ganham ênfase, creio que uma análise dessa natureza precisa compreender não apenas o estilo, a trajetória, mas também os valores e a concepção de mundo presentes na obra de um autor. E isso não é fácil de ser obtido.
M.S.V.

sábado, 18 de outubro de 2008

Lendo com Pierre Menard

"No decurso de uma vida consagrada às letras...", escreve Borges num de seus artigos que compõem Outras inquisições, obra de 1952 que reúne artigos e resenhas publicados em revistas e jornais argentinos, entre 1936 e 1952.
Seja pelos temas, seja pelo olhar sobre as obras (estilo), penso que esta coletânea assemelha-se em muito com as demais seletas de contos publicadas pelo autor. Em Borges, parece e haver uma fusão de gêneros, embaralhando as fronteiras entre crítica e ficção.
M.S.V.

domingo, 5 de outubro de 2008

No centenário de Machado

A atividade crítica de Machado de Assis foi a um só tempo curta e duradoura. Foi curta se considerarmos a pequena quantidade de artigos de que se compõe e o escasso intervalo em que foi concebida, entre 1858 e 1879. Mas foi extremamente duradoura quanto às implicações provocadas na posteridade pelas questões e temas abordados.
No dia em que se comemora o centenário de nascimento de nosso escritor maior, invoco a face talvez menos conhecida de sua obra: a de crítico literário. Autor de textos críticos até hoje importantes, como Instinto de nacionalidade, O ideal do crítico ou O passado, o futuro e o presente da literatura brasileira, Machado demonstrou estar atento aos problemas literáriros de seu tempo. Assim, não hesitou, por exemplo, em criticar os solecismos da linguagem comum, que considerava um defeito grave, e a forte influência da língua francesa. Em relação ao teatro, chegou a minúcias como a proposta que estabelecia regras sobre os direitos de representação e também a criação de impostos sobre as traduções, pois via com preocupação a enorme quantidade de peças francesas encenadas no Brasil de então.
Mas o aspecto central a considerar hoje é a crítica ao localismo pitoresco e ao falso instinto de nacionalidade, elementos que o autor de Dom Casmurro identificou na literatura de seu tempo. Amparado no desejo de criar uma literatura mais independente dos modelos europeus, em 1873, Machado de Assis insta seus contemporâneos a repensar o legado estético do Arcadismo e o predomínio dos temas indianistas. Basílio da Gama e Santa Rita Durão são os principais objetos de crítica, pois não souberam se desligar da matriz árcade. “Admira-se-lhes o talento, mas não se lhes perdoa o cajado e a pastora”, escreve no artigo “Instinto de nacionalidade”. Para Machado de Assis, indianismo não era representativo da totalidade do universo ficcional brasileiro. Era, evidentemente, um legado reconhecido pelo crítico, mas não poderia continuar a ser a única fonte de inspiração. Volto ao tema.
M.S.V.

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