Então começou a criar personagens em sua mente, mas eram tão passageiros, tão embrionários que mais pareciam clarões. Eram criaturas em passagem, como que saídos de um romance de Robert Walser, o escritor andarilho que não tinha moradia fixa, não possuía livros e escrevia em papéis usados. “Há vinte anos que não tenho mais livros. Também queimei meus papéis. Rabisco o instante... Retenho o que quero”, escreve Monsieur Teste, o enigmático personagem de Paul Valéry.
Por falar em andarilhos, lembro que o poeta Mario Quintana morou a vida inteira em pequenos quartos de hotéis. Nunca teve casa própria ou alugada. Costumava vê-lo em suas caminhadas pela Rua da Praia, no centro de Porto Alegre. Seus poemas têm uma simplicidade que fazem com que o leitor os subestime. É um erro. Mas talvez seus versos sejam como clarões na noite escura. “Os poemas são pássaros que chegam, não se sabe de onde e pousam no livro que lês”, escreveu em Esconderijos do tempo, livro de 1980.
Então viu que seus personagens eram sombras que habitavam seus próprios sonhos, mesmo quando estava acordado. Instantâneos de um vazio singular.
Então viu que seus personagens eram sombras que habitavam seus próprios sonhos, mesmo quando estava acordado. Instantâneos de um vazio singular.
M.S.V.