domingo, 28 de novembro de 2010

O Fidel Castro da literatura brasileira


De toda esta polêmica envolvendo o Jabuti de 2010, que deu a Leite Derramado, de Chico Buarque, o prêmio de melhor ficção do ano, em detrimento do primeiro lugar na categoria, Se eu fechar os olhos agora, de Edney Silvestre, duas constatações me parecem inevitáveis.

A primeira delas é a acertada crítica de Ségio Machado, o editor da Record, de que o Jabuti sucumbiu à era do escritor celebridade. “Se eu amanhã publicar um livro infantil da Xuxa, é capaz que eu ganhe o infanto juvenil. Esse prêmio, do jeito que está sendo disputado, poderia ser feito na plateia do Faustão. Ou do Silvio Santos. Porque não tem absolutamente nenhum critério”, declarou à Folha de S. Paulo.

A segunda constatação diz respeito à figura de Chico Buarque, cuja consagração no campo da música (inquestionável, diga-se) acabou por contaminar o julgamento de sua produção no campo da literatura. Transformado em grife, livro de Chico é livro de Chico, e isso independe do mérito.

Quem ousaria, por exemplo, dizer que o título desse livro é muito ruim? Acho, de fato, Leite derramado uma péssima ideia para título de romance. Mas é um título de Chico. Não se pode criticá-lo, do mesmo modo que não se pode criticar Fidel Castro.

É evidente que, em toda essa história, a responsabilidade não é de Chico, mas dos aduladores acriticos que ele encontrou no seu caminho desde o dia em que decidiu fazer carreira de escritor. Inquestionável, absolvido pela história que construiu, creio que Chico Buarque se transformou numa espécie de Fidel Castro da literatura brasileira.
M.S.V.

sábado, 20 de novembro de 2010

Martín Fierro, vanguarda e utopia


Talvez uma das melhores partes de Modernidade periférica, de Beatriz Sarlo, seja o capítulo 4, Vanguarda e utopia, pois é nele que a autora reconstitui, com rigor e beleza, um dos momentos cruciais da modernidade argentina: o espírito de renovação trazido por revistas como Prisma, Proa e Martín Fierro.

Esta revista, aliás, tornou-se sinônimo de uma época de efervescência literária na Argentina e, mais do que isso, delineou os rumos da vanguarda na capital do país, consolidando o processo de autonomização do campo cultural ao promover um reposicionamento dos agentes e das ideias em voga. Tanto no aspecto ideológico quanto no estético, a geração de ecritores como Hidalgo, Macedonio e Borges, descobre e divulga novos princípios de valor literário, principalmente no que tange à questão da identidade cultural, cristalizado naquilo que Sarlo denomina de “criollismo urbano de vanguarda”.

Borges discutia nas páginas de Martín Fierro “o criollismo aceitável e o inaceitável”, e de que modo “um deles, voltado à cor local, é tributário do passado, enquanto outro, ao rechaçar as marcas conhecidas do localismo, é uma invenção formal-estética portadora do novo”.

Sarlo reconstitui as transformações urbanas vividas por Buenos Aires nos agitados anos 20 e 30 do século passado. Ao fazê-lo, recorre a protagonistas situados em posições distintas do campo da produção cultural e literária. Deste modo, são contrapostos escritores consagrados, como Borges e Güiraldes, a menos conhecidos, como Castelnuovo e Olivares, e a trajetória política das vanguardas “desejosas de enfrentar o establishment literário e impor a arte pela arte”, é estudada em contraponto à postura de intelectuais de esquerda, movidos pelos ventos revolucionários do início do século XX.
M.S.V.

domingo, 7 de novembro de 2010

A modernidade periférica de Buenos Aires


Todo livro começa como desejo de outro livro, como impulso de cópia, roubo, contradição, como inveja e confiança desmedida.” As palavras de Beatriz Sarlo na introdução a Modernidade periférica (Trad. e posfácio de Julio Pimentel Pinto. São Paulo: Cosacnaify, 2010), o seu mais recente livro lançado no Brasil, bem que poderiam servir de apólogo para as relações culturais das metrópoles européias com as capitais latino-americanas.

Pois este estudo da ensaísta argentina, de 1988, insere-se no jogo dialético entre localismo e cosmopolitismo, que tanto mal-estar tem gerado na intelectualidade latino-americana.

Como ela própria explica no início do livro, sua escrita transita entre a crítica literária e a cultural e este livro é um estudo “mesclado sobre uma cultura (a urbana de Buenos Aires) também mesclada”. Misto de história intelectual com análise sóciocultural, Modernidade periférica procura compreender de que modo os intelectuais argentinos, nos anos 20 e 30 do século passado, “viveram os processos de transformações urbanas e, em meio a um espaço moderno como já era o de Buenos Aires, experimentaram um conjunto de sentimentos, ideias e desejos muitas vezes contraditórios”. O tema é instigante e a ele voltarei em breve.
M.S.V.

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