terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Modesto balancete de uma viagem de pesquisa


Velhos bondes ainda estão em atividade
Amanhã é meu último dia em Viena.  Hoje, o sol saiu convicto, como poucas vezes vi nesses dois meses em que aqui fiquei.  Aproveitei para fazer algumas compras e, ao contrário do que imaginava, quando caminhava pela cidade, não senti nem tristeza, nem nostalgia. Não fiz passeios de despedida. Nesse período, aproveitei tudo o que pude – e dentro do que estava ao meu alcance. Trabalhei e vivi a cidade no seu cotidiano. Conheci a cultura, os hábitos, os falares, os humores, misturei-me à população em geral. Sei que descortinei apenas um fragmento da cultura desta cidade, em que a germanização, que lhe é própria, cada vez mais se alimenta do multiculturalismo.
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Vim para fazer uma pesquisa documental e tive mais trabalho do que imaginava. Esse tipo de pesquisa, de natureza empírica, tem sempre algo de imprevisível. Passei a maior parte do tempo pesquisando em bibliotecas, fuçando arquivos, consultando material bibliográfico, conversando com especialistas, selecionando fontes primárias e secundárias em coleções e acervos os mais diversos. O saldo é altamente positivo. Os resultados virão a público quando colocar o ponto final no meu estudo sobre os ensaios europeus de Otto Maria Carpeaux.
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Detalhe de um monumento em Heldenplatz
Uma das coisas mais extraordinárias desta cidade é o transporte público. Viena é muito bem servida de ônibus e antigos bondes que funcionam muito bem. O metrô atinge praticamente toda a área urbana de Viena. Nas estações e nos pontos de ônibus, painéis informam com precisão assustadora os minutos que faltam para a chegada do próximo veículo. O uso de bicicletas é comum, há ciclovias por todos os lugares e pontos em que se pode alugar uma delas. Outra coisa que chama atenção é a permissão para animais de estimação entrarem com seus donos no metrô e nos shoppings. Até em restaurante vi isso acontecer. Os cães de maior porte usam focinheiras. Ninguém se importa. Faz parte da rotina da cidade.
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Deixo Viena feliz por ter feito o que fiz, ou seja, pesquisei, estudei, escrevi, aprendi. Respirei 24 horas por dia o tema de minha pesquisa – os papéis de Otto Karpfen – que há tantos anos me mobiliza. Não posso deixar de agradecer a instituição à qual pertenço, a Unesp, pela possibilidade de realizar esse estágio de pesquisa. Os desafios e descobertas que aqui experimentei fazem parte daquilo que sou agora e do que farei daqui pra frente. O mesmo se junta ao outro. A identidade se constrói com a diferença. 
M.S.V.

domingo, 18 de dezembro de 2011

À espera do Natal e na neve

Centro de Viena em clima de Natal

Viena está em festa. Os jornais anunciam que nesta semana, impreterivelmente, a neve que já cobre as montanhas no Oeste dos Alpes, descerá o vale do Danúbio até a velha cidade dos Habsburgos. É só o que falta para o cenário natalino ficar completo, já que por todas as ruas por onde passo, as luzes de Natal dão o colorido típico ao consumismo desenfreado que contagia a todos nessa época do ano.

As comemorações do Natal aqui iniciam já em meados de novembro, com a montagem de dezenas de “feirinhas” nos principais pontos da cidade. São quiosques com artesanato típico, comidas e bebidas quentes, que ficam lotados à noite e nos finais de semana.

Aos sábados, na Mariahilfer Strasse, tradicional e chique rua de comércio – contrastando com a popular Favoriten Strasse, que é bem mais longe de Innerestadt – o trânsito precisa ser interrompido para dar escoamento à enorme massa de pessoas que se aglomera nas lojas e calçadas em busca de presentes ou mesmo de um simples passatempo.

Salzburg e Mozart
Como a neve não chegou, decidi ir ao encontro dela. Peguei o trem em Westbahnhof, a estação ferroviária que sai de Viena no sentido oeste, e fui rumo a Munique. Aos cinquenta minutos de viagem, a paisagem mudou de cor, com o branco da neve cobrindo boa parte da vegetação. O sofisticado trem que viaja a 100 km/hora diminuiu sensivelmente a velocidade quando começou a subir em direção a Salzburg. Três horas depois, com neve por todos os lados, adiei o sonho de conhecer a Alemanha e desci na cidade de Mozart.

Acima dos prédios, vê-se parte do Castelo Mirabelli, em Salzburg.
Salzburg tem um ar típico de cidadezinha do interior e a regra número um para curtir o local é esquecer Viena, com seus palácios, praças, museus, igrejas etc. E o cosmopolitismo, que é sua marca registrada. 

Em Salzburg, nada lembra a grandiosidade barroca ou a sofisticada indústria do turismo que existe em Viena. Em pouco mais de quatro horas percorri o centro da cidade. Por fim, constata-se que a imagem de Mozart é explorada de todas as maneiras, de bibelôs a bolsas, passando por chocolates e guloseimas. 

Admito que fiquei um pouco decepcionado. Não se pode conhecer Salzburg depois de Viena. Sei que a comparação é injusta, mas é inevitável.
M.S.V. 

domingo, 11 de dezembro de 2011

De estrangeiros e de moradias: algumas impressões

Mariahilfer Strasse: padrão arquitetônico se repete pela cidade
O que é ser estrangeiro? É ser reconhecido pelo sotaque ou pela pronúncia. É ser classificado com um simples olhar pelo tipo físico ou pela cor da pele. Ou então pelo modo como se ganha a vida, ou seja, pelo trabalho, e pelo círculo de amizades, pelos hábitos incorporados. Diante dessa realidade, o conceito de cidadania não consegue dar conta. O sujeito pode ter direitos iguais, mas continua sendo um estrangeiro aos olhos dos nativos de um determinado local.
Pensei nisso após escutar a história de Draggo, um sérvio que mora há 16 anos em Viena. Fala alemão com um levíssimo sotaque eslavo. Deixou Belgrado com os pais e irmãos em 1995 para tentar a vida em Viena. Não voltou mais. Como ele, a quase totalidade dos empregados do hotel em que estou é de estrangeiros que chegam aqui e vão aprendendo o idioma no dia a dia, mas não têm nem terão condições de conseguir um emprego melhor. Percebo que a inclusão num determinado meio começa pelo uso da língua. Esta competência gera distinção e pertencimento. Se isso não ocorre, nos sentimos excluídos. Como em todas as grandes cidades européias, em Viena os estrangeiros executam funções destinadas aos que tem baixa escolaridade. “Os austríacos trabalham nos escritórios, na polícia, nos serviços públicos”, explica Draggo.
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Caminhando hoje de manhã pelas redondezas do hotel em que estou hospedado, fiquei observando que há muitos prédios velhos, necessitando de reforma urgente. Tenho visto também que todos os edifícios da cidade seguem o mesmo padrão arquitetônico. Vistos da calçada, são retangulares, com janelas enormes e possuem no máximo quatro andares. Pode-se contar nos dedos os edifícios construídos fora desse modelo. Vi alguns em áreas mais afastadas, acima do Danúbio, numa região de pouca densidade populacional.
Edifícios são antigos e amplos 
Creio que os moradores se identificam tanto com essa arquitetura -- os prédios devem ter uns 80 anos, no mínimo --, que recusam seguir outro padrão. Deve haver legislação impedindo tais mudanças, mas é inegável que a permanência no tempo desse modelo arquitetônico é reflexo de um apego à tradição, que remonta ao século 19, quando a cidade ganhou dimensões propriamente modernas, com a Viena da Ringstrasse. Além do mais, são edifícios com espaços internos amplos, bem diferentes dos nossos minúsculos apartamentos no Brasil. Tudo isso contribui para um sentimento de identificação com a tradição e de recusa à mudança.
M.S.V.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Espetáculo de música sacra na Catedral

Catedral de Santo Estéfano, em Viena (Fonte: Wikipedia)

O novo filme de Nanni Moretti, Habemus Papam, está em cartaz nos cinemas aqui. Em entrevista ao Wiener Zeitung ontem, o diretor explica que não quis fazer nenhuma crítica ao poder do Vaticano, nem abordar assuntos polêmicos como os casos de pedofilia ou as finanças da igreja. “Não me queixo da Igreja nesse filme”, declarou Moretti ao jornal. Sua preocupação foi, sobretudo, contar o processo de escolha de um Papa, o Conclave, a partir de um ângulo psicanalítico.
O cinema já produziu muitos filmes sobre a Igreja e o Vaticano e não é esse o assunto que quero abordar aqui. O filme de Moretti me fez refletir sobre a antiga e sólida relação que a Áustria mantém com o catolicismo, desde os tempos do império austro-húngaro.
Dia 08 foi feriado católico aqui, chamado de Imaculada Conceição (Maria Empfangnis, no original). A Catedral de Santo Estevão, (Spephansdom), que é a igreja matriz da Arquidiocese da Áustria, estava apinhada de gente para a Missa das 17 horas. Como estou empenhado em conhecer a cultura dessa cidade e desse país sob vários aspectos, o religioso não poderia ficar de fora.
E como não se conhece a Áustria sem levar em conta seu longo e pesado passado religioso, lá estava eu na Catedral. Para minha surpresa, o que assisti foi quase um concerto de música sacra. Não é como no Brasil, em que a mistura étnica produziu uma religiosidade mitigada. Aqui não: as missas são rigorosamente concebidas como se fossem um concerto. 
Assisti como observador e admito que fiquei encantado com a música, com o tom laudatório dos cânticos entoados pelo Coro e pelo solista. Música de Igreja, como nos tempos do Barroco. Apenas por um breve momento o público de fiéis (e de não fieis, como eu) é convidado a cantar junto. Fiquei apenas observando o espetáculo e a simbologia dessa prática religiosa que alimenta a fé de milhões nesse país profundamente católico.
M.S.V.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Isto também é Viena


Em minhas caminhadas por Viena, encontro algumas imagens que, embora nada tenham de excepcionais, revelam aquele lado que toda cidade tem, mas que os cartões postais costumam deixar de fora. Ruas estreitas, longe do burburinho consumista dos turistas, pichações na parede.
Deparei-me com essas imagens ontem, a caminho do Arquivo da Universidade de Viena, que fica num prédio muito antigo, longe do campus principal, que fica na parte nobre da cidade. Uma das mais antigas da Europa, a Universidade de Viena foi fundada em 1365 e, hoje, tem 88 mil alunos. 
Nessa parte, já próximo do Rio Danúbio, não há turistas e pode-se ver os vestígios desta velha cidade européia. As fotos, de amador, não tem nenhuma pretensão, a não ser a de revelar um pouco desse lado desconhecido da cidade, que descubro no meu cotidiano aqui.
M.S.V.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Itinerário afetivo de uma pesquisa

Prédio da Biblioteca Nacional Austríaca, na parte central do Hofburg

Viena. Jamais me esquecerei desses dias em Viena, em que pesquiso os papéis de Otto Karpfen. Já são muitas as boas e fortes lembranças desse período, mas as bibliotecas que conheci aqui merecem uma atenção à parte. Como faço uma pesquisa documental, tenho ido a várias instituições, museus e arquivos da cidade. Em todos os lugares, seja em instituições públicas ou particulares, tenho sido muito bem atendido. A qualidade dos serviços à disposição do estudioso e do pesquisador é impressionante.
Mas penso que nenhum outro local me encantou tanto quanto a Österreichische Nationalbibliothek, a Biblioteca Nacional Austríaca. Localizada em Heldenplatz – o encantador e enigmático Heldenplatz, sobre o qual ainda escreverei --, a ONB é o lugar ideal para se ler, estudar e pesquisar. Não apenas pelo acervo, cujos números desconheço, mas principalmente pelo ambiente. E uma biblioteca sem ambiente afasta os leitores.
Fachada do Salão Barroco, biblioteca
histórica construída em 1723
Está sempre cheia de estudantes de todas as idades, mas há muitos jovens, e confesso que nunca vi tantos estudando ao mesmo tempo. Na enorme Sala de Leitura, todos ficam em suas mesas, com luzes individuais e cadeiras confortáveis, com seus cadernos e notebooks, estudando para provas, fazendo tarefas. Enfim, um ambiente tão cheio de vida que nem parece uma biblioteca. Sempre tive aversão a bibliotecas vazias, que dão tédio e tiram a vontade de estudar. Na ONB isso não existe. Não sei explicar. Talvez sejam apenas impressões de estrangeiro. Mas há várias semanas que freqüento o local e a cena é a mesma.
Quando saio, por volta das 20 horas (o que já é noite alta, pois desde meados de novembro tem escurecido às 16 horas), e atravesso a enorme praça de Heldenplatz, com as luzes do Hofburg todas acesas, tenho a sensação de que jamais esquecerei esse cenário. Nem a temperatura próxima de zero é capaz de esfriar a emoção que sinto quando deixo esse local tão cheio de significado, tão prenhe de história. Foi aqui, por exemplo, que Hitler, em 15 de março de 1938, fez o discurso em que anunciou a anexação da Áustria pela Alemanha.
A Biblioteca ocupa posição central no imenso prédio que compõe o Hofburg e isso também me parece significativo do apreço que este país tem pela cultura, pelos livros, pelos seus documentos, enfim, pelos seus estudantes. Tenho observado que a Biblioteca talvez seja o único local turístico da cidade em que os turistas não são maioria, o que mostra que o lugar é frequentado pelos moradores. E, é claro, por estrangeiros em busca de conhecimento.
M.S.V.

  O Martelo, de Manuel Bandeira . As rodas rangem na curva dos trilhos Inexoravelmente. Mas eu salvei do meu naufrágio Os elementos mais cot...