![]() |
O crítico francês Roland Barthes |
As
notas de aula de Roland Barthes no Collège
de France são a pedra de toque deste precioso projeto de reedição das Obras Completas do crítico francês. Já
são mais de quinze volumes publicados pela editora Martins Fontes, todos com a
supervisão de Leyla Perrone-Moisés, uma das maiores especialistas na obra do
crítico francês e que, no Brasil, foi a principal responsável pela divulgação e
explicação da obra de Barthes.
Intitulado
A preparação do Romance, (São Paulo:
Martins Fontes, 2005) o livro, em dois volumes, reúne os fragmentos e as anotações
que Barthes escreveu para ler diante de seus alunos no prestigioso Collège de France, entre 1979 e 1980.
Essas
notas permaneciam inéditas até 2003, quando a editora francesa Seuil, de Paris,
começou a publicá-las em livro. E são reveladoras dos projetos e temas que
ocupavam a mente de Barthes nos últimos anos de sua vida. O curso que deu no Collège de France foi interrompido por
sua morte, ocorrida bruscamente em 1980, quando foi atropelado por um carro ao
atravessar a rua.
Nessas
aulas, Barthes se interroga sobre as condições de possibilidade que se
apresentam a um escritor na preparação de uma obra de ficção. Ficamos sabendo,
por exemplo, de seu projeto pessoal de escrever um romance, intitulado Vita Nova, que ele não pode realizar em
decorrência da morte.
O
fato não deixa e surpreender, e me pergunto se todo crítico não esconde em si o
desejo de escrever ficção. A crítica e a interpretação literárias são, por
definição, atividades de segunda ordem, mas nem por isso desprovidas de
sentido: a função da crítica é servir de mediação entre os produtores e o
público.
Como
diz um outro crítico que admiro, George Steiner, “nem Tolstói ou Dostoiévski
precisam de mim, mas eu tenho necessidade persistente, ética e imaginariamente,
de A morte de Ivan Ilytch ou de Memórias do Subsolo”. Ou seja, o crítico
é o sujeito que ama a literatura e seu caminho é mostrar ao leitor as razões
pelas quais ele ama e conhece determinada obra.
Num
momento em que a crítica acadêmica aprofunda ainda mais sua distância de
critérios como gosto pessoal, intuição e sensibilidade em favor do acúmulo
teórico-metodológico, nunca é demais reafirmar as razões e os propósitos da
atividade crítica. Essas razões podem ser encontradas no velho criticismo,
empenhado na tarefa de explicar o texto para o leitor.
Como
escreve George Steiner: “Não julgar o dissecar, mas mediar. Somente através do
amor pela obra de arte, somente através do reconhecimento constante e
angustiado por parte do crítico da distância que separa seu ofício daquele do
poeta, pode tal mediação ser alcançada. Trata-se de um amor tornado lúcido pela
amargura: que olha para os milagres do gênio criativo, discerne seus princípios
de existência, exibe-os para o público e, entretanto, sabe que não tem a menor
participação, nem mesmo a mais ínfima, na sua criação”. (Tolstói ou Dostoiévski: um ensaio sobre o velho criticismo. São
Paulo: Perspectiva, 2006).
Esse
dilema do crítico que alimenta o desejo de escrever um romance parece muito
visível nessas notas de Roland Barthes. Ele, que escrevia com estilo, que
trabalhava a frase como um escritor, agora sabemos que alimentava o desejo de
criar obras ficcionais. Barthes desejava uma Vida Nova de narrador, liberto das
obrigações discursivas que a atividade crítica impõe, mas isso o destino não
lhe possibilitou.
Quantos
críticos não vivem esse dilema? Eis por que acredito que a crítica literária
precisa surgir de um gesto de amor pela obra, jamais de ressentimento.
M.S.V.