terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Otto Karpfen não é Carpeaux

            O título dessa postagem é uma brincadeira com o nome de família e o pseudônimo mais conhecido do grande crítico literário e jornalista austríaco Otto Maria Carpeaux, que chegou ao Brasil em 1939, fugindo do Nazismo. Agora, um livro que o próprio Carpeaux se preocupou em excluir de sua bibliografia tem sua primeira tradução para o português publicada no país: trata-se de Caminhos para Roma – Aventura, queda e triunfo dos espíritos (Trad. de Bruno Mori, Vide Editorial, R$ 35,00).
            Publicado em 1934, em Viena, o livro expõe uma face ainda pouco conhecida de Carpeaux: sua ligação explícita com o catolicismo, que exerceu forte influência nos rumos da política austríaca na conturbada década de 1930. Outro dado importante sobre esta obra, que precisa ser levado em conta pelo leitor brasileiro, é que este foi um dos primeiros textos publicados por Carpeaux após sua decisão de se retirar da religião judaica, ocorrida em abril de 1933.
            Para marcar publicamente sua conversão ao catolicismo austríaco, Otto acrescentou o “Maria” ao seu nome de família “Karpfen”, compondo assim um dos vários pseudônimos que adotou ao longo da vida. Nesse sentido, Caminhos para Roma é muito mais uma obra escrita por Otto Maria Karpfen do que por Otto Maria Carpeaux, nome que adotou no Brasil a partir do início da década de 1940, e pelo qual passou à posteridade como um dos nossos mais brilhantes críticos literários.
            Com isso, quero dizer que Carpeaux foi um “twice born”: um sujeito que, derrotado politicamente em 1938, com a anexação da Áustria por Hitler, partiu para o exílio onde precisou se reinventar para sobreviver.
Obra de difícil classificação, pois transita pela filosofia, teologia, história das ideias e até por discussões científicas, o livro recorre a diferentes correntes de pensamento -- da religião à política, da ciência à moral -- para demonstrar a tese de que todos os caminhos, filosóficos, estéticos e humanísticos, conduzem para um mesmo ideal: a unidade do Ocidente cristão sob a égide de Roma.
            No decorrer dos sete capítulos que compõem o livro, Carpeaux empenha-se em demonstrar que a religião de Roma é o ponto para onde convergem todos os movimentos do espírito, da física à estética, da ética à política. 
É possível identificar nessa obra europeia de Carpeaux uma atitude de reação à nascente indústria de bens simbólicos, principalmente pelos efeitos desses novos valores de classe na condição humana, no esgarçamento das relações entre fé e moral, entre arte e fé. Em suma, esta é uma obra pautada pela crítica à modernidade a partir de um ponto de vista religioso.
Caminhos para Roma é uma obra cujo contexto de produção remete a esse ambiente, ou melhor, a esse combate típico do século XIX, contra o mal e contra a luz de Satã. Esta era a concepção religiosa do então Otto Maria Karpfen e muito pouco disso, ou quase nada, está presente nos brilhantes e lúcidos artigos que iria escrever e publicar no Brasil a partir da década de 1940. Afinal, a própria fé católica de Carpeaux passou por um processo de secularização, cuja causa parece estar nos dramáticos acontecimentos vividos em Viena e no posterior exílio forçado no Brasil. Decididamente, Karpfen não é Carpeaux.
M.S.V.

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