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O ator Oliver Masucci no papel de Hitler (Fonte: Zeit online) |
Escrevo
na manhã do dia de meu retorno para o Brasil. Quando se viaja para trabalhar,
como é o caso, pouco tempo sobra para turismo. Procurei fazer isso
naturalmente, como complemento da rotina de trabalho que mantive nesses vinte
dias em Munique. Andei pelas ruas, usei metrô, trem e ônibus. Só faltou andar
de bicicleta, mas isso estava além das minhas forças. Aliás, ver os idosos pedalando,
indo ou voltando do mercado, humilha aqueles que, como eu, encaram a bicicleta
como coisa de jovem, de estudante. Aqui a lógica é outra.
A Alemanha vive momento político delicado com a
entrada de refugiados sírios e turcos. Uma política de Estado que resulta de um
gesto político louvável e inteligente de Angela Merkel. Até o final deste ano, a
Alemanha deve receber cerca de 800 mil imigrantes. Não é pouca gente.
A medida tem uma dimensão humanitária, mas
também pragmática: o país tem necessidade de acolher gente disposta a trabalhar
e construir sua vida, recolhendo impostos e contribuindo para a Previdência. Mesmo
assim, a medida está longe de ter unanimidade.
O assunto veio à tona durante jantar com
professores e pesquisadores da Universidade de Munique, em que participei na
semana passada. Perguntei se a presença dos imigrantes em tão curto espaço de
tempo não acarretaria um conflito cultural. É inevitável, e isso já começa a
ficar evidente nas manifestações, pró e contra, que ocorrem aqui mesmo em
Munique. Ontem à tarde, à frente da Prefeitura velha, presenciei manifestação
favorável ao acolhimento dos refugiados, promovida pelo partido comunista
alemão.
Mas o que preocupa mesmo é o movimento
anti-islâmico alemão chamado Peguida,
que surgiu em Dresden, mas já chegou a Munique. O Peguida, que em português significa “Europeus patriotas contra a islamização
do Ocidente”, ganha adeptos, e é impossível prever o que ocorrerá nos próximos
meses.
Ontem,
no final da tarde, estava na plataforma de embarque do metrô e percebi a
chegada de um grupo significativo de imigrantes de origem árabe. Eram jovens alegres, bem
vestidos, conversavam entre si, e parecia que estavam a caminho de alguma
diversão. Afinal, era sábado. Foi então que ouvi, ao meu lado, em voz baixa, a
fala de um homem aparentando uns 50 anos: “Kopf Turc, puta que pariu”. Assim
mesmo, “cabeça de turco”. Os jovens seguiram seu rumo e o homem, que julguei
ser alemão, seguiu o dele.
É
no dia-a-dia que esse conflito étnico-cultural vai se desdobrar. O tema requer
atenção e há, aqui, um debate cada vez maior sobre o assunto. Talvez por isso a
estreia de “Er ist wieder da”, (“Ele ainda está aqui”) esteja chamando tanto a
atenção. O filme conta, em tom satírico, o imaginário retorno de Hitler a
Berlim, 70 anos depois de seu desaparecimento. Encontra uma mulher no poder e
muitos e muitos estrangeiros pelas ruas de sua pátria. O filme conta as reações
do ex-Führer, que agora está sem poder, sem partido e sem Eva. Uma metáfora da
ameaça constante do retorno do autoritarismo e da intolerância, não só aqui,
mas também no Brasil de hoje.
M.S.V.