domingo, 18 de outubro de 2015

Ele ainda está por aqui? Só aqui?

O ator Oliver Masucci no papel de Hitler (Fonte: Zeit online)
Escrevo na manhã do dia de meu retorno para o Brasil. Quando se viaja para trabalhar, como é o caso, pouco tempo sobra para turismo. Procurei fazer isso naturalmente, como complemento da rotina de trabalho que mantive nesses vinte dias em Munique. Andei pelas ruas, usei metrô, trem e ônibus. Só faltou andar de bicicleta, mas isso estava além das minhas forças. Aliás, ver os idosos pedalando, indo ou voltando do mercado, humilha aqueles que, como eu, encaram a bicicleta como coisa de jovem, de estudante. Aqui a lógica é outra.
A Alemanha vive momento político delicado com a entrada de refugiados sírios e turcos. Uma política de Estado que resulta de um gesto político louvável e inteligente de Angela Merkel. Até o final deste ano, a Alemanha deve receber cerca de 800 mil imigrantes. Não é pouca gente.
A medida tem uma dimensão humanitária, mas também pragmática: o país tem necessidade de acolher gente disposta a trabalhar e construir sua vida, recolhendo impostos e contribuindo para a Previdência. Mesmo assim, a medida está longe de ter unanimidade.
O assunto veio à tona durante jantar com professores e pesquisadores da Universidade de Munique, em que participei na semana passada. Perguntei se a presença dos imigrantes em tão curto espaço de tempo não acarretaria um conflito cultural. É inevitável, e isso já começa a ficar evidente nas manifestações, pró e contra, que ocorrem aqui mesmo em Munique. Ontem à tarde, à frente da Prefeitura velha, presenciei manifestação favorável ao acolhimento dos refugiados, promovida pelo partido comunista alemão.
Mas o que preocupa mesmo é o movimento anti-islâmico alemão chamado Peguida, que surgiu em Dresden, mas já chegou a Munique. O Peguida, que em português significa “Europeus patriotas contra a islamização do Ocidente”, ganha adeptos, e é impossível prever o que ocorrerá nos próximos meses.
Ontem, no final da tarde, estava na plataforma de embarque do metrô e percebi a chegada de um grupo significativo de imigrantes de origem árabe. Eram jovens alegres, bem vestidos, conversavam entre si, e parecia que estavam a caminho de alguma diversão. Afinal, era sábado. Foi então que ouvi, ao meu lado, em voz baixa, a fala de um homem aparentando uns 50 anos: “Kopf Turc, puta que pariu”. Assim mesmo, “cabeça de turco”. Os jovens seguiram seu rumo e o homem, que julguei ser alemão, seguiu o dele.
É no dia-a-dia que esse conflito étnico-cultural vai se desdobrar. O tema requer atenção e há, aqui, um debate cada vez maior sobre o assunto. Talvez por isso a estreia de “Er ist wieder da”, (“Ele ainda está aqui”) esteja chamando tanto a atenção. O filme conta, em tom satírico, o imaginário retorno de Hitler a Berlim, 70 anos depois de seu desaparecimento. Encontra uma mulher no poder e muitos e muitos estrangeiros pelas ruas de sua pátria. O filme conta as reações do ex-Führer, que agora está sem poder, sem partido e sem Eva. Uma metáfora da ameaça constante do retorno do autoritarismo e da intolerância, não só aqui, mas também no Brasil de hoje.

M.S.V.

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