Poucos escritores têm uma trajetória tão marcada pela distância de sua terra natal quanto V. S. Naipaul. Nascido em Trinidad, neto de brâmane e filho de um jornalista, Naipaul foi estudar em Oxford, na Inglaterra, quando tinha 18 anos. O que era para ser uma temporada de estudos, transformou-se numa permanência que dura até hoje. Mais do que isso: Vidiadhar Surajprasad (o V.S.) fez deste afastamento de suas origens a matéria-prima de sua ficção, que lhe valeu em 2001 o Prêmio Nobel de Literatura (foto).
Em O enigma da chegada, livro que releio agora após dez anos, Naipaul faz um acerto de contas com o passado. Isto por que, para ele, abraçar a carreira de escritor significava ao mesmo tempo adotar o inglês como idioma e romper com as próprias origens. “A pequenez colonial que não se coadunava com a grandeza de minha ambição”, lembra o escritor a certa altura deste livro.
O tema de O enigma da chegada gira em torno deste desejo de realizar-se como escritor num país estrangeiro, e isso implica refletir sobre a própria trajetória:
“Eu me tornara escritor após um longo período de preparação! E então descobri que ser escritor não era (como eu imaginava) um estado -- de competência, ou realização, ou fama, ou contentamento – aonde se chegava ou onde se permanecia.” Esta carreira trazia uma angústia específica: todo o trabalho que um livro me custara, todos os desafios e satisfações que ele me proporcionara, o tempo depois levava-os embora. E, com a passagem do tempo, eu sentia que minhas realizações passadas zombavam de mim; pareciam pertencer a uma época de vigor, que agora havia terminado para sempre. Voltavam o sentimento de vazio, a ianquietação; e tornava-se necessário mais uma vez, com base em meus recursos interiores apenas, empreender este processo exaustivo de novo.”
Este é o enigma de tornar-se escritor. Este é o enigma da chegada de Naipaul.
M.S.V.
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