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Mostrando postagens de 2015

Ele ainda está por aqui? Só aqui?

O ator Oliver Masucci no papel de Hitler (Fonte: Zeit online) Escrevo na manhã do dia de meu retorno para o Brasil. Quando se viaja para trabalhar, como é o caso, pouco tempo sobra para turismo. Procurei fazer isso naturalmente, como complemento da rotina de trabalho que mantive nesses vinte dias em Munique. Andei pelas ruas, usei metrô, trem e ônibus. Só faltou andar de bicicleta, mas isso estava além das minhas forças. Aliás, ver os idosos pedalando, indo ou voltando do mercado, humilha aqueles que, como eu, encaram a bicicleta como coisa de jovem, de estudante. Aqui a lógica é outra. A Alemanha vive momento político delicado com a entrada de refugiados sírios e turcos. Uma política de Estado que resulta de um gesto político louvável e inteligente de Angela Merkel. Até o final deste ano, a Alemanha deve receber cerca de 800 mil imigrantes. Não é pouca gente. A medida tem uma dimensão humanitária, mas também pragmática: o país tem necessidade de acolher gente disposta a traba

Manhã de outono em Moosach

Agora que o trabalho ganha ritmo e rende seus primeiros frutos, permito-me cuidar um pouco da saúde (quando inverterei essa ordem?). Na primeira semana aqui isso não foi possível: é sempre a mais difícil numa viagem de pesquisa, pois temos que abrir trilhas na mata, buscar caminhos, refazer as rotas. Desde o início desta semana, aproveito as manhãs e, após o café, sigo a “recomendação” de minha cardiologista e saio para caminhar nas redondezas. A Dachauer Strasse, por onde passo, é uma larga e arborizada avenida, com calçadas planas e espaço para os ciclistas. É uma das artérias que liga a região central da cidade aos bairros mais ao norte, como Moosach, onde estou. O outono chegou com força, encobrindo o céu com espessas e cinzas nuvens e mandando o Sol embora.  Mesmo assim, essas caminhadas matinais antes do trabalho são vitais para organizar as ideias, planejar o dia, observar a cultura local e viver um pouco do cotidiano dessa cidade, que encanta e impressiona por tratar bem

Pesquisando em Munique

Sala de leitura da Biblioteca Estadual da Baviera, em Munique Escrevo para partilhar com vocês um pouco de minha experiência de pesquisa aqui em Munique. A  estrutura da Bayerische Staatsbibliothek (Biblioteca estadual da Baviera) é impressionante. O acervo é de 10 milhões de volumes. Muda definitivamente o nosso conceito de biblioteca. Para ter acesso, basta registrar-se. Depois, consulta o catálogo e pede os livros nos terminais de computador ou de casa e, no dia seguinte, os livros estão num a estante específica pra você, identificada pelo seu número (vejam a foto). Durante 30 dias, você pode ficar com os livros, trabalhar na sala de leitura e devolver à sua estante até o dia seguinte. Para cópias, nada de papel. Tudo em pdf. Quando me vejo percorrendo os corredores da BSB, indo de um setor a outro, ou descendo para o café, penso que estar aqui dá sentido à carreira acadêmica que abracei há muitos. Lembro de vocês, que são a nova geração e que dizer-lhes que essa é a par

Preparativos de viagem

H oje viajo para Munique, na Alemanha. Ficarei poucos dias, e a viagem é de trabalho. Nem por isso deixo de imaginar uma viagem sem data pra voltar, daquelas em que vamos vivendo tão a fundo o cotidiano que chegamos ao absurdo de querer abandonar a língua materna e assumir em definitivo a condição ontológica de “out of place”, de estrangeiro. Se estivesse aqui, você não hesitaria em dizer: “vamos, este país não nos merece, esse tempo não é o nosso”.  Mas não é disso que quero falar. Ainda escuto sua voz me dizendo: “você precisa ir a Munique para colocar um ponto final nessa pesquisa”. Só você sabe o que isso significa. H oje vou atravessar o Atlântico para cumprir esse objetivo. Mas, no fundo, embarco nesse vôo com um sonho bom: na madrugada de segunda-feira, quando estiver a 10 mil metros de altura, vou olhar pela janela a imensidão escura que nos torna tão pequenos, fitar uma estrela e pensar que estou mais perto de você. Então vou adormecer e você estará nos meus sonhos, c

Elegia final para a mulher amada

Rejane Bernal Ventura (1963-2015), Doutora em Filosofia pela USP e tradutora À minha mais que amada Rejane, As palavras que pronuncio nesse momento estão longe de esgotar toda a beleza e a complexidade do Ser que Rejane foi. Ainda assim, não posso deixar de falar sobre: A Rejane a quem amei acima de todas as coisas, sem medida, sem limites, desde que a conheci, em maio de 1991, na Universidade de São Paulo, onde estudamos e começamos a namorar. A Rejane intelectual, inteligente, criativa e minuciosa, que teve a ousadia e a coragem de ir muito além do meio onde nasceu, para se transformar numa pessoa de fina e discreta erudição, especialista na Arte do Renascimento, tema que amou desde a juventude, e do qual jamais se separou. A Rejane generosa, que com sua luz e seu sorriso conquistava a amizade de todos. A Rejane sensível, que amava os animais, a natureza e a música de Vivaldi. A Rejane companheira, que cuidou de mim durante todos os dias em que estivemos juntos. Se eu

Roland Barthes e os dilemas do crítico

O crítico francês Roland Barthes As notas de aula de Roland Barthes no Collège de France são a pedra de toque deste precioso projeto de reedição das Obras Completas do crítico francês. Já são mais de quinze volumes publicados pela editora Martins Fontes, todos com a supervisão de Leyla Perrone-Moisés, uma das maiores especialistas na obra do crítico francês e que, no Brasil, foi a principal responsável pela divulgação e explicação da obra de Barthes. Intitulado A preparação do Romance , (São Paulo: Martins Fontes, 2005) o livro, em dois volumes, reúne os fragmentos e as anotações que Barthes escreveu para ler diante de seus alunos no prestigioso Collège de France , entre 1979 e 1980. Essas notas permaneciam inéditas até 2003, quando a editora francesa Seuil, de Paris, começou a publicá-las em livro. E são reveladoras dos projetos e temas que ocupavam a mente de Barthes nos últimos anos de sua vida. O curso que deu no Collège de France foi interrompido por sua morte, ocorr

Otto Karpfen não é Carpeaux

            O título dessa postagem é uma brincadeira com o nome de família e o pseudônimo mais conhecido do grande crítico literário e jornalista austríaco Otto Maria Carpeaux, que chegou ao Brasil em 1939, fugindo do Nazismo. Agora, um livro que o próprio Carpeaux se preocupou em excluir de sua bibliografia tem sua primeira tradução para o português publicada no país: trata-se de Caminhos para Roma – Aventura, queda e triunfo dos espíritos (Trad. de Bruno Mori, Vide Editorial, R$ 35,00).             Publicado em 1934, em Viena, o livro expõe uma face ainda pouco conhecida de Carpeaux: sua ligação explícita com o catolicismo, que exerceu forte influência nos rumos da política austríaca na conturbada década de 1930. Outro dado importante sobre esta obra, que precisa ser levado em conta pelo leitor brasileiro, é que este foi um dos primeiros textos publicados por Carpeaux após sua decisão de se retirar da religião judaica, ocorrida em abril de 1933.             Para marcar publica