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Mostrando postagens de maio, 2010

As razões da crítica

A explicação do texto literário e a análise científica da obras artísticas quase sempre são encaradas com suspeita e desqualificadas como atividade secundária. Os motivos de tais reações – que envolvem também a figura do crítico – estão ligados à reivindicação da autonomia da literatura, como se esta somente comportasse explicações literárias. Outra razão repousa na idéia de transcendência da obra, de algo que não pode ser compreendido ou decifrado pelo conhecimento racional. Este motivo está na base tanto do conhecido livro escrito pelo escritor Marcel Proust contra o método do até então maior nome da crítica, o francês Saint-Beuve – Contra Saint-Beuve era o título do libelo de Proust --, quanto do surgimento, nos anos 1960-70, de uma geração de críticos-escritores, cujo principal expoente foi Roland Barthes, para quem a atividade crítica era também criação artística. Isso sem falar no enigmático Monsieur Teste, personagem criado pelo poeta e ensaísta Paul Valéry, que, depois de prod

Preparando a leitura de 2666

A obra ainda não chegou às livrarias, mas já suscita comentários e questionamentos. 2666 , o livro póstumo do chileno Roberto Bolaño (1953-2003), está na contramão dos modelos de escrita vigentes na atualidade, em sua maioria marcados pela brevidade: tem 856 páginas e contempla cinco histórias sem ligação direta entre si. Tanto é que seu autor deixou a indicação para que fossem editadas em separado e publicadas uma por ano, para garantir o sustento da mulher e dos dois filhos. O desejo do escritor não foi atendido, pois já no ano seguinte à morte do Bolaño o livro foi publicado na Espanha na íntegra. A justificativa do editor Jorge Herralde e do amigo de Bolaño, o mexicano Ignacio Echevarría, eram uma só: a qualidade literária da obra somente estaria preservada com a publicação do livro na íntegra. Aos leitores, caberá confirmar ou não se as cinco histórias de 2666 se sustentam como cinco romances, ou se são apenas cinco partes de uma única história. A resposta não é fácil, pois parte

Nelson Rodrigues e o jornalismo

Perguntam-me sobre a importância de Nelson Rodrigues para o jornalismo brasileiro. A resposta que primeiro se impõe parece óbvia: a crônica. Afinal, Nelson viveu do jornalismo, numa época em que a profissão era pouco mais do que um biscate; escreveu crônicas sobre variados assuntos, inclusive futebol, num momento em que a crônica era um produto das redações. E escreveu ficção, inclusive e principalmente nas redações dos jornais em que trabalhou. Ruy Castro, em O anjo pornográfico , conta que certa vez Roberto Marinho chegou na Redação de O Globo , onde trabalhava Nelson, e o flagrou escrevendo uma de sua muitas histórias. “Escrevendo literatura no horário do expediente, seu Nelson”, teria dito o chefe. A resposta gerou uma acirrada discussão entre os dois, o que não era novidade. Afinal, Marinho – assim como todos os colegas de redação -- sabia o tipo de jornalista que era Nelson. Onde quer que trabalhasse, o autor de Vestido de noiva , uma das obras-primas de nosso teatro, seria semp