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Mostrando postagens de 2008

Sebald, o colecionador de imagens

O escritor W. G. Sebald (1944-2001) transita entre os gêneros. Em Austerlitz (Companhia das Letras, trad. de José Marcos Macedo), por exemplo, a narrativa é construída a partir de passagens memorialísticas, relatos de viagem e dados históricos. O resultado é uma prosa que tende mais para o ensaístico do que para o ficcional, e que lembra em alguns momentos o francês Marcel Proust e sua obra-prima Em busca do tempo perdido . Lembra também Cláudio Magris e o seu Danúbio . Seleciono a seguir dois belos trechos de uma leitura em andamento. “Penso como é pouco o que logramos conservar na memória, como tudo cai constantemente no esquecimento com cada vida que se extingue, como o mundo por assim dizer se esvazia por si mesmo, na medida em que as histórias ligadas a inúmeros lugares e objetos por si sós incapazes de recordação não são ouvidas, não são anotadas nem transmitidas por ninguém (...)” [Pág. 28) “No trabalho de fotógrafo, sempre me encantou o instante em que as sombras da realidade

Auerbach revisitado

Figura central da crítica literária no século 20, o alemão Erich Auerbach (1852-1957) teve aspectos de sua obra analisada ontem durante o Seminário Internacional Rumos Literatura – Crítica Literária, no Instituto Itaú Cultural, em São Paulo. Um dos palestrantes, o professor da City University, de Nova York, Martin Elsky, lembrou a formação cosmopolita de Auerbach que o tornava capaz de compreender as outras culturas, ainda que sob uma visão ocidental. Sua estratégia de leitura, reiterou o estudioso, baseava-se na suspensão voluntária da descrença por parte do intérprete, derivando disso sua extraordinária visão da obra de Dante, por exemplo. “Ele resolveu o problema da mimesis de uma maneira cristã”, disse. Já o professor de literaturas românicas da Universidade Bergische, em Wuppertal, Alemanha, Earl Jeffrey Richards, destacou a importância do conceito de Europa na cosmovisão de Auerbach e seu empenho em estabelecer interfaces entre as culturas alta e baixa. Ele explicou que, para o c

A História da Literatura Ocidental continua distante dos leitores

A nova edição da História da Literatura Ocidental, de Otto Maria Carpeaux, teria tudo para ser um dos destaques editoriais de 2008, não fossem dois detalhes. A obra não está nas livrarias, já que as vendas são feitas exclusivamente pelo site do Senado Federal, e apenas dois meses após o lançamento, o mesmo site informa que o livro está esgotado. Ou seja: o leitor continuará distante de uma obra de referência fundamental sobre o conjunto das literaturas do Ocidente, e que há muito estava esgotada. Apesar disso, não se pode deixar de louvar a iniciativa do atual vice-presidente do Conselho Editorial das Edições do Senado Federal, Joaquim Campelo Marques, responsável por esta reedição da História da Literatura Ocidental. É preciso também dizer que este “lançamento” é a terceira edição de uma obra que, durante quase uma década, consumiu muito das energias físicas e emocionais de seu autor, o crítico literário e ensaísta Otto Maria Carpeaux. Creio que nenhum outro livro deu tanta dor de ca

Apresentação de George Seiner

No castelo do Barba Azul é o nome do pequeno livro que tenho em minha mesa. Seu autor é o crítico George Steiner, que nasceu em Paris em 1929, mas foi educado na Inglaterra e nos Estados Unidos. Três línguas maternas acompanham esse filho de Babel: o francês, o inglês e o alemão. De seus anos de formação, Steiner ainda lembra das sessões semanais de leitura de Shakespeare, com uma professora escocesa contratada pelo pai, e de um especialista em letras clássicas que lhe dava lições de latim e grego. Hoje com 79 anos, Steiner construiu ao longo de sua vida uma obra das mais significativas e férteis de nosso tempo. De seus mais de 15 livros, a maioria de ensaios, destaco esse pequeno volume de 1971, que inicia dialogando com as Notas para uma definição de cultura , de T.S. Eliot. Para Steiner, é perturbador que um livro escrito durante a Segunda Guerra e publicado em 1948, e cujo tema é a crise da cultura ocidental, não contenha qualquer referência à barbárie e ao assassínio em massa dos

O martelo

Simples, belo e forte esse poema de Manuel Bandeira. As rodas rangem na curva dos trilhos Inexoravelmente. Mas eu salvei do meu naufrágio Os elementos mais cotidianos. O meu quarto resume o passado em todas as casas que habitei. Dentro da noite No cerne duro da cidade Me sinto protegido. Do jardim do convento Vem o pio da coruja. Doce como um arrulho de pomba. Sei que amanhã quando acordar Ouvirei o martelo do ferreiro Bater corajoso o seu cântico de certezas. (Manuel Bandeira, “Lira dos cinqüentanos”, 1940). M.S.V.

O Dostoiévski de Joseph Frank

Este é sem dúvida o mais completo estudo crítico-biográfico que alguém já dedicou a um autor. Obra em cinco volumes, o "Dostoiévski, de Joseph Frank é um caso raro de persistência, dedicação e talento dedicados ao comentário crítico. É, sem dúvida, muito mais do que isso, mas hoje gostaria apenas de recolher breves trechos sobre o método de trabalho de Frank. Do prefácio a "Dostoiévski, as sementes da revolta", o primeiro volume, anoto os seguintes trechos: "Aos poucos fui compreendendo que, para fazer justiça à minha concepção de Dostoiévski, teria de apresentá-lo no contexto de uma sólida reconstrução da vida sociocultural de sua época. (...) Meu interesse pela vida pessoal de Dostoiévski é, portanto, estritamente circunscrito. (...) apenas me aprofundo nos aspectos dessa experiência cotidiana que parecem ter alguma importância decisiva, ou seja, aspectos que ajudam a comreender melhor seus livros. "Não me movo da vida para a obra, mas sigo a direção inversa&

Lendo com Pierre Menard

"No decurso de uma vida consagrada às letras...", escreve Borges num de seus artigos que compõem Outras inquisições , obra de 1952 que reúne artigos e resenhas publicados em revistas e jornais argentinos, entre 1936 e 1952. Seja pelos temas, seja pelo olhar sobre as obras (estilo), penso que esta coletânea assemelha-se em muito com as demais seletas de contos publicadas pelo autor. Em Borges, parece e haver uma fusão de gêneros, embaralhando as fronteiras entre crítica e ficção. M.S.V.

No centenário de Machado

A atividade crítica de Machado de Assis foi a um só tempo curta e duradoura. Foi curta se considerarmos a pequena quantidade de artigos de que se compõe e o escasso intervalo em que foi concebida, entre 1858 e 1879. Mas foi extremamente duradoura quanto às implicações provocadas na posteridade pelas questões e temas abordados. No dia em que se comemora o centenário de nascimento de nosso escritor maior, invoco a face talvez menos conhecida de sua obra: a de crítico literário. Autor de textos críticos até hoje importantes, como Instinto de nacionalidade, O ideal do crítico ou O passado, o futuro e o presente da literatura brasileira, Machado demonstrou estar atento aos problemas literáriros de seu tempo. Assim, não hesitou, por exemplo, em criticar os solecismos da linguagem comum, que considerava um defeito grave, e a forte influência da língua francesa. Em relação ao teatro, chegou a minúcias como a proposta que estabelecia regras sobre os direitos de representação e também a criação