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Mostrando postagens de janeiro, 2009

John Updike, o retratista da vida americana

Houve um tempo em que os livros de John Updike (1932-2009) não saíam de minha mesa. Do escritor americano, morto dia 27 de janeiro, aos 76 anos, guardo com admiração as belas passagens de suas memórias, intituladas de Consciência à flor da pele , da crítica literária reunida em Bem perto da costa ou dos contos de Uma outra vida . A reputação de Updike veio com a extensa série Coelho ( Coelho cai, Coelho corre, Coelho cresce, Coelho em crise, Coelho se cala ), protagonizada por um ex-campeão de basquete chamado Harry Rabbit Angstrom. Escrita ao longo de mais de três décadas, entre os anos 1960-1990, a série sintetiza a concepção de mundo do americano médio. Rabbit é um sujeito alienado politicamente, consumidor de TV e de alimentos congelados e morador de Cidadezinhas (título, aliás, de seu mais recente livro lançado no Brasil), ricas e provincianas, moralistas e religiosas. Esteve no Brasil em 1992 e dois anos depois publicou Brazil , romance ambientado no país, em que faz uma releit

Austerlitz: notas de leitura

Austerlitz , de W.G. Sebald, é construído a partir de um duplo movimento: temos um narrador que conta seus encontros com Austerlitz e, a este relato, feito de lembranças, justapõe-se as recordações do próprio Austerlitz, professor aposentado, especialista em arquitetura do capitalismo, que, por sua vez, conta para o primeiro narrador histórias de suas viagens, descobertas, observações relativas aos mais variados assuntos, como um ornitólogo, um aviador, sua infância etc. A narrativa flui, assim, em camadas de recordações, que tanto podem ser reflexões sobre sua própria trajetória, seus projetos passados e seus sentimentos presentes, como o momento em que reflete sobre o ato de ler: “Como eu gostava, disse Austerlitz, de me sentar na companhia de um livro até noite fechada, até que não conseguisse mais decifrar uma palavra e os meus pensamentos começassem a girar em círculos, e como eu me sentia seguro sentado à escrivaninha de casa na noite escura, apenas observando a ponta do lápis à

Le Clézio e a batalha da literatura

É lugar comum da crítica pensar que quando um escritor escreve sobre literatura contribui para iluminar sua própria obra. Melhor será pensar que quando um ficcionista ou poeta escreve em prosa ensaística acrescenta à sua própria imagem de escritor a de intelectual que contribui para o debate público. É esse o caso de Jean-Marie Le Clézio, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2008. Seu discurso na Academia sueca é uma importante reflexão sobre a situação da literatura e da cultura na autalidade. Por que escrevemos?, pergunta Le Clézio na abertura de seu discurso. Cada um tem seus motivos, suas predisposições, seu contexto de produção. Para este escritor que alimenta sua ficção das vivências no continente africano, escrever é testemunhar aquilo que viveu. Mas escrever é o oposto de atuar, de agir no mundo. “Como pode o escritor atuar, se tudo o que ele sabe fazer é recordar?”, pergunta. Para Le Clézio, o escritor deseja mais do que tudo atuar, ao invés de simplesmente dar seu testem