Abre uma página de O mal de Montano,
de Henrique Vila-Matas. Seus olhos passeiam pelas obsessões literárias do escritor
catalão, mas seu pensamento se perde no quarto escuro da memória, este “baú de
espantos” em que se desenha o malogro existencial e material de seus projetos
de escrita. “O primeiro malogro está ligado à tardividade de minha formação, e
que me constitui enquanto ser”, recorda. O segundo malogro é mais palpável: diz
respeito às condições materiais da vida. Obrigado a ganhar o sustento, primeiro
no jornalismo, depois na sala de aula, seus projetos de escrita sempre
estiveram submetidos ao aspecto instrumental dessas atividades. “Haverá
tempo?”, pergunta.
***
Retorna a esse livro que é em tudo um incômodo, a começar pelo título: Crítica e verdade, de Roland Barthes. Este
pequeno volume, que comprou quando tinha 21 anos, sempre exerceu sobre ele um
fascínio e uma resistência à leitura. Folheia o livro e constata que há vários
trechos sublinhados, marcas de leitura que indicam que já se perdeu por aquelas
páginas. E há também a memória de leitura, e por ela comprova que já leu certos
artigos, como o seminal “Escritores e escreventes”, mas desconfia que jamais
tenha conseguido terminar a leitura de todos esses ensaios. Crítica e verdade
poderão caminhar juntas?
***
Gastou a juventude buscando o que? “Os livros não vieram; ficaram dentro
de mim, como projeto de filhos abortados”, repete para si mesmo. Aqueles
ensaios sobre literatura e cultura também não foram escritos. Sempre o
trabalho, sempre a busca da sobrevivência. Olha-se ao espelho e o que vê é um
acadêmico, imerso num laborioso e angustiante trabalho de Sísifo. “Onde ficou o
desenvolvimento da carreira autoral? É a maldição de Montano.”
M.S.V.
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