O
título dessa postagem é uma brincadeira com o nome de família e o pseudônimo
mais conhecido do grande crítico literário e jornalista austríaco Otto Maria
Carpeaux, que chegou ao Brasil em 1939, fugindo do Nazismo. Agora, um livro que
o próprio Carpeaux se preocupou em excluir de sua bibliografia tem sua primeira
tradução para o português publicada no país: trata-se de Caminhos para Roma – Aventura, queda e triunfo dos espíritos (Trad.
de Bruno Mori, Vide Editorial, R$ 35,00).
Publicado
em 1934, em Viena, o livro expõe uma face ainda pouco conhecida de Carpeaux:
sua ligação explícita com o catolicismo, que exerceu forte influência nos rumos
da política austríaca na conturbada década de 1930. Outro dado importante sobre
esta obra, que precisa ser levado em conta pelo leitor brasileiro, é que este
foi um dos primeiros textos publicados por Carpeaux após sua decisão de se
retirar da religião judaica, ocorrida em abril de 1933.
Para
marcar publicamente sua conversão ao catolicismo austríaco, Otto acrescentou o
“Maria” ao seu nome de família “Karpfen”, compondo assim um dos vários
pseudônimos que adotou ao longo da vida. Nesse sentido, Caminhos para Roma é muito mais uma obra escrita por Otto Maria
Karpfen do que por Otto Maria Carpeaux, nome que adotou no Brasil a partir do
início da década de 1940, e pelo qual passou à posteridade como um dos nossos
mais brilhantes críticos literários.
Com
isso, quero dizer que Carpeaux foi um “twice born”: um sujeito que, derrotado
politicamente em 1938, com a anexação da Áustria por Hitler, partiu para o
exílio onde precisou se reinventar para sobreviver.
Obra de difícil
classificação, pois transita pela filosofia, teologia, história das ideias e
até por discussões científicas, o livro recorre a diferentes correntes de
pensamento -- da religião à política, da ciência à moral -- para demonstrar a
tese de que todos os caminhos, filosóficos, estéticos e humanísticos, conduzem
para um mesmo ideal: a unidade do Ocidente cristão sob a égide de Roma.
No
decorrer dos sete capítulos que compõem o livro, Carpeaux empenha-se em
demonstrar que a religião de Roma é o ponto para onde convergem todos os
movimentos do espírito, da física à estética, da ética à política.
É possível identificar
nessa obra europeia de Carpeaux uma atitude de reação à nascente indústria de
bens simbólicos, principalmente pelos efeitos desses novos valores de classe na
condição humana, no esgarçamento das relações entre fé e moral, entre arte e
fé. Em suma, esta é uma obra pautada pela crítica à modernidade a partir de um
ponto de vista religioso.
Caminhos para Roma é uma obra cujo contexto de produção remete a esse ambiente,
ou melhor, a esse combate típico do século XIX, contra o mal e contra a luz de
Satã. Esta era a concepção religiosa do então Otto Maria Karpfen e muito pouco
disso, ou quase nada, está presente nos brilhantes e lúcidos artigos que iria
escrever e publicar no Brasil a partir da década de 1940. Afinal, a própria fé
católica de Carpeaux passou por um processo de secularização, cuja causa parece
estar nos dramáticos acontecimentos vividos em Viena e no posterior exílio
forçado no Brasil. Decididamente, Karpfen não é Carpeaux.
M.S.V.
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