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Apresentação de George Seiner


No castelo do Barba Azul é o nome do pequeno livro que tenho em minha mesa. Seu autor é o crítico George Steiner, que nasceu em Paris em 1929, mas foi educado na Inglaterra e nos Estados Unidos. Três línguas maternas acompanham esse filho de Babel: o francês, o inglês e o alemão. De seus anos de formação, Steiner ainda lembra das sessões semanais de leitura de Shakespeare, com uma professora escocesa contratada pelo pai, e de um especialista em letras clássicas que lhe dava lições de latim e grego.

Hoje com 79 anos, Steiner construiu ao longo de sua vida uma obra das mais significativas e férteis de nosso tempo. De seus mais de 15 livros, a maioria de ensaios, destaco esse pequeno volume de 1971, que inicia dialogando com as Notas para uma definição de cultura, de T.S. Eliot.

Para Steiner, é perturbador que um livro escrito durante a Segunda Guerra e publicado em 1948, e cujo tema é a crise da cultura ocidental, não contenha qualquer referência à barbárie e ao assassínio em massa dos campos de concentração, nem mesmo numa simples nota de rodapé. “Apenas três anos depois dos acontecimentos, como foi possível escrever um livro sobre a cultura e não escrever nada?”, pergunta Steiner.

No castelo do Barba Azul, Steiner desenvolve uma crítica à cultura ocidental e teoriza sobre as possibilidades de se pensar aquilo que ele chama de pós-cultura, cujo ponto de partida está na investigação das origens do inumano e da crise de nosso tempo. Para isso, ele retorna ao século 19, mais precisamente à longa paz européia situada entre 1815 e 1915, período em que floresceu o “jardim imaginário da cultura liberal.

Este pequeno livro é a melhor porta de entrada para a obra daquele que considero o mais brilhante ensaísta das últimas décadas. Foi, aliás, com a leitura desta obra, seguida de uma breve apresentação da trajetória de George Steiner, que fechei o curso Jornalismo Cultural: conceitos, problemas e mediações, que ministrei nesse semestre na Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Unesp, em Bauru.
M.S.V.

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