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A História da Literatura Ocidental continua distante dos leitores

A nova edição da História da Literatura Ocidental, de Otto Maria Carpeaux, teria tudo para ser um dos destaques editoriais de 2008, não fossem dois detalhes. A obra não está nas livrarias, já que as vendas são feitas exclusivamente pelo site do Senado Federal, e apenas dois meses após o lançamento, o mesmo site informa que o livro está esgotado. Ou seja: o leitor continuará distante de uma obra de referência fundamental sobre o conjunto das literaturas do Ocidente, e que há muito estava esgotada.

Apesar disso, não se pode deixar de louvar a iniciativa do atual vice-presidente do Conselho Editorial das Edições do Senado Federal, Joaquim Campelo Marques, responsável por esta reedição da História da Literatura Ocidental. É preciso também dizer que este “lançamento” é a terceira edição de uma obra que, durante quase uma década, consumiu muito das energias físicas e emocionais de seu autor, o crítico literário e ensaísta Otto Maria Carpeaux.

Creio que nenhum outro livro deu tanta dor de cabeça ao crítico quanto este. Contratado pela Casa do Estudante do Brasil para escrever a obra, Carpeaux finalizou os últimos capítulos em novembro de 1945. Entregou ao editor cerca de quatro mil páginas datilografadas e criteriosamente documentadas. Mas os originais ficaram parados, pois a Casa do Estudante do Brasil, na época um órgão do Ministério da Educação, não possuía recursos para mandar editar a obra de Carpeaux. O contrato com o editor estipulava uma multa pesada em caso de desistência do autor, e isso tornou inviável a publicação da obra por outra casa editorial.

Quase dois anos depois, Carpeaux ainda vivia esse impasse. Em carta a Gilberto Freyre, de 31 de março de 1947, ele se queixa do editor, um tal Arquimedes, que permanecia irredutível.

“Esgotei-me com esse trabalho, entregando os últimos capítulos em novembro de 1945. Não demorou a revelação desagradável: a C.E.B. é financeiramente incapaz de editar a obra. Naquele tempo, vários editores quiseram entrar no negócio, mas nosso amigo Arquimedes, possesso de ambição, não me largou, insistindo no contrato que não determina prazo de edição e me impõe no caso da rescisão da minha parte uma forte indenização”, escreve Carpeaux.

E assim foi. A obra somente seria publicada entre os anos 1959 e 1966, e pelas edições O Cruzeiro, dirigida por Herberto Sales. Mas as agruras de Carpeaux com este livro não pararam. Com tiragens imprecisas e diversos erros tipográficos, esta primeira edição foi revista e ampliada pelo crítico nos anos seguintes, para ser editada pela pequena Alhambra, do mesmo Joaquim Campelo Marques.

Mas, se esta pequena tiragem da editora do Senado frustrou as expectativas do público leitor interessado na prosa límpida e erudita de Carpeaux, em breve uma nova edição desta obra deverá chegar às livrarias. A editora Topbooks prepara o lançamento da quarta edição da História da Literatura Ocidental como parte das Obras Completas do autor, das quais já saíram dois volumes.

Tamanha incidência talvez reflita um renascimento do interesse pela obra daquele que figura como um dos mais importantes críticos do país e contribui para reavaliar o lugar de uma obra de dimensões enciclopédicas como esta, e sua importância no processo de formação do leitor e do próprio campo literário do país.
M.S.V.

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