Thomas Bernhard, escritor austríaco nascido na Holanda |
Poucas coisas são tão encantadoras na relação do leitor com a obra literária quanto a redescoberta de um texto ou o reencontro com um autor que havia muito não o líamos. Refiro-me ao escritor austríaco Thomas Bernhard (1931-1989), que redescobri neste período em que estive em Viena. Até então, havia lido apenas, no início dos anos 1990, O sobrinho de Wittgenstein (RJ: Rocco, 1992, trad. de Ana Maria Scherer) e conhecia, de orelha, romances como Extinção, Árvores Abatidas e O Náufrago, todos já traduzidos para o português.
Eis que em Viena descobri Heldenplatz, uma peça teatral que estreou no Burgteather em 1988, marcando de forma polêmica os 50 anos do Anschluss da Áustria com a Alemanha de Hitler. Heldenplatz, ou Praça dos Heróis, era o lugar que mais gostava de ir quando estava em Viena, seja para passear ou simplesmente sentar e ficar observando o movimento dos turistas e a paisagem (os monumentos, o passado, os traumas de uma nação fascinante e enigmática). Era também o meu caminho para a Biblioteca Nacional Austriaca, de onde saía à noite, feliz após mais um dia de pesquisa. Heldenplatz ficará para sempre como o meu particular cartão postal de Viena.
Embora tenha nascido na Holanda, Thomas Bernhard pertence à literatura austríaca, pois foi na Áustria que escreveu sua obra e construiu sua carreira. Mudou-se ainda criança com os pais para Viena. Mais tarde, morou em Salzburg e, por fim, numa propriedade rural no interior do país.
Meus Prêmios (São Paulo: Companhia das Letras, 2011, trad. de Sergio Tellaroli), livro que leio agora, junto com uma biografia do autor escrita por Manfred Mittermayer (Thomas Bernhard - Leben, Werk, Wirkung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2006) reúne textos que contam a conturbada relação de Bernhard com as inúmeras premiações em dinheiro que recebeu ao longo de sua vida de escritor.
Em 1967, ao saber da notícia de que seria contemplado com o Prêmio Nacional Austríaco de Literatura, Bernhard estava em dificuldades financeiras. Portanto, gostaria, mas não podia recusar o prêmio. No trecho a seguir, ele expõe com sinceridade os sentimentos de amor e de ódio (leia-se necessidade e rejeição) com os prêmios que recebeu durante sua carreira. “Arruinava-me o estômago a idéia de, quase aos quarenta anos, precisar receber um prêmio que cumpria reservar aos jovens de vinte, e eu tinha, ademais, uma relação tensa com meu país, como tenho ainda hoje, em grau bem mais acentuado (...)”.
A trajetória de Thomas Bernhard foi permeada de conflitos com as instituições culturais do país que adotou para viver e escrever. Seu projeto era “escrever sobre o que ninguém mais escrevia”. Sua obra contém uma forte crítica à influência do nacional-socialismo e do catolicismo nos rumos tomados pela Áustria no século 20.
Avesso a corporações de escritores e de intelectuais, sua atitude independente causava desconfiança e mal-estar. Firmou-se com o tempo. Mas foram os prêmios literários recebidos que lhe permitiram defender suas convicções e sua escrita. Não é espantoso constatar que ele recebesse os prêmios apesar de tudo isso? Voltarei ao assunto, enquanto redescubro e descubro a obra de Thomas Bernhard.
M.S.V.
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