Pular para o conteúdo principal

“Tigres no espelho”: ensaios de George Steiner


George Steiner

Tem livro novo de George Steiner nas livrarias. “Tigres no espelho e outros textos da The New Yorker” (Globo Livros, R$ 55) reúne 28 ensaios publicados originalmente na conceituada revista norte-americana. Durante muitos anos seus ensaios foram minha leitura constante. Agora temos nova oportunidade de conhecer sua prosa cheia de inteligência e verve, que honra o leitor, numa época em que “até mesmo as pessoas instruídas têm apenas tintura de conhecimento clássico ou teológico”. Sim, Steiner tem familiaridade com diferentes culturas e está em casa quando falar de literaturas e autores os mais diversos, e em diferentes idiomas.
George Steiner nasceu em Paris, em 1929, mas foi educado na Inglaterra e nos Estados Unidos. Sua formação é incomum, rara para os dias de hoje: foi alfabetizado em francês, inglês e alemão. Li certa vez uma entrevista dele na Magazine Litteraire, em que ele lembra como foram fundamentais para sua formação as sessões semanais de leitura de Shakespeare, com uma professora escocesa contratada pelo pai, ou as aulas de latim e grego que freqüentou ainda jovem. Seus ensaios refletem toda essa formação e as leituras que faz da obra literária só ganham com esse refinamento. E o principal nos dias de hoje: ele escreve com legibilidade, clareza e sem dar concessões ao gosto médio.
No artigo que dá título ao livro, Steiner analisa a obra do escritor argentino Jorge Luis Borges. No trecho a seguir, ele fala sobre a relação de Borges com a tradição literária, que foi a substância de sua obra: “Borges é um curador, um tesoureiro de ninharias despercebidas, um indexador das antigas verdades e perdidas conjecturas que se amontoam no sótão da história”. Um diagnóstico certeiro sobre o autor de O Aleph.
George Steiner é um dos melhores ensaístas surgidos no século 20 e conseguiu construir uma obra de crítica (cultural e literária) sem sucumbir às contingências da escrita acadêmica. Seus textos são límpidos e repletos de erudição. É leitura obrigatória para os dias de hoje.
M.S.V.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"O cacto", de Bandeira

Houve tempo em que a leitura de poemas era para mim um hábito quase diário. Tenho a impressão de que a poesia é mais necessária quando somos jovens e estamos ainda em busca de um caminho. Entre os poetas brasileiros, Manuel Bandeira talvez tenha sido o autor ao qual mais retornei para releituras. E não havia mediação crítica nessas leituras. Só muito mais tarde, já aluno de Teoria Literária na USP, é que acrescentei à minha experiência de leitura as análises do crítico literário e professor Davi Arrigucci Jr. Foi num de seus cursos que conheci O cacto , um pequeno poema que o professor Davi analisava em aula. De seu método, guardei para sempre a atitude que todo leitor deve ter diante da poesia, antes mesmo da interpretação: trata-se da escavação filológica, procedimento aberto por Erich Auerbach. Publicado em 1925, O cacto impressiona pela beleza áspera que exala de seus versos. “Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária: Laocoonte constrangido pelas serpentes, Ugoli

Em busca da Terra de Ninguém

No romance O cavaleiro da terra de ninguém o escritor Sinval Medina reconstrói a trajetória do português Cristóvão Pereira de Abreu, sertanista e comerciante que abriu o primeiro caminho terrestre ligando o Uruguai a São Paulo. No distante século 18, havia uma extensa e despovoada faixa do território brasileiro que começava na Colônia do Sacramento, hoje Uruguai, e chegava até os campos da Vila de Santo Antônio dos Anjos de Laguna, ou apenas Laguna, como chamamos hoje. Nesta vasta e solitária paisagem, viviam “sem lei nem rei” minuanos, tapes, jesuítas, castelhanos, buenairenses e outros tipos erráticos, todos disputando um pedaço desta vasta, rica e desabitada parte do Brasil, chamada muito apropriadamente de Terra de Ninguém. Este foi o cenário escolhido pelo escritor Sinval Medina para contar as aventuras do cavaleiro português Cristóvão Pereira de Abreu, que ficou conhecido como Rei dos Tropeiros, e que encarou o desafio de abrir um caminho por terra ligando as barrancas orientais

Elegia final para a mulher amada

Rejane Bernal Ventura (1963-2015), Doutora em Filosofia pela USP e tradutora À minha mais que amada Rejane, As palavras que pronuncio nesse momento estão longe de esgotar toda a beleza e a complexidade do Ser que Rejane foi. Ainda assim, não posso deixar de falar sobre: A Rejane a quem amei acima de todas as coisas, sem medida, sem limites, desde que a conheci, em maio de 1991, na Universidade de São Paulo, onde estudamos e começamos a namorar. A Rejane intelectual, inteligente, criativa e minuciosa, que teve a ousadia e a coragem de ir muito além do meio onde nasceu, para se transformar numa pessoa de fina e discreta erudição, especialista na Arte do Renascimento, tema que amou desde a juventude, e do qual jamais se separou. A Rejane generosa, que com sua luz e seu sorriso conquistava a amizade de todos. A Rejane sensível, que amava os animais, a natureza e a música de Vivaldi. A Rejane companheira, que cuidou de mim durante todos os dias em que estivemos juntos. Se eu