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A história de uma família numa coleção de netsuquês


O Palácio Ephrussi, na Ringstrasse, em Viena


Transformar em livro a história de uma família é uma idéia cujos resultados costumam chatear o leitor, que em geral se vê diante de páginas que desfilam elogios e que só constróem imagens oficiais dos biografados. Não é o que ocorre com A lebre com olhos de âmbar, de Edmund de Waal (Ed. Intrínseca), que, conta a história de uma coleção de miniaturas feitas de marfim e madeira que pertenceu aos Ephrussis, uma família originária de Odessa, na Rússia, que se estabeleceu na França e na Áustria no final do século 19.
Os Ephrussis eram de origem judaica e fizeram fortuna no setor financeiro, ao mesmo tempo em que revelaram-se grandes colecionadores de obras de arte. Ao herdar a coleção de miniaturas, o autor, Edmund de Waal (desconhecido por aqui, mas parece que e reconhecido lá fora como ceramista) decide mergulhar na história para resgatar a trajetória de seus avós.
Parte para Paris e Viena em busca de documentos de seus antepassados e reconstitui a trajetória de uma família que presenciou fatos históricos dos mais dramáticos dos séculos 19 e 20, como o colapso do Império Austro-Húngaro, a crise austríaca das primeiras décadas do século e a anexação da Áustria pelo Nazismo, com o consequente confisco de suas propriedades.
O fio narrativo do livro é essa coleção de 264 miniaturas, que o autor herda de seu tio-avô, e que são chamados de netsuquês. Como explica Sérgio Telles em sua coluna de hoje em OESP, eram usados pelos japoneses para prender uma pequena bolsa na faixa do quimono. Portanto, um item chique da indumentária nipônica.
Mas é nos momentos em que fala do ramo austríaco de seus antepassados que o livro de Edmund de Waal me interessa. Em Viena, os Ephrussis moravam num belíssimo palácio feito de mármore, localizado na Ringstrasse, em frente à Universidade de Viena e quase ao lado da Votivkirche, que hoje passa por restauro de sua fachada. As descrições da cidade, dos hábitos da família, as leituras dos filhos, do contato natural com a arte que só se adquire em família... Enfim, uma atmosfera que encanta o leitor, construída numa escrita singela e cativante. Um livro que surpreende. M.S.V.

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