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Um documentário conservador
O filme começa com imagens de maio de 68 na França. Em seguida, vemos cenas de uma família e amigos em viagem a China de Mao. É a família do narrador, na voz de uma mulher. Voz grave, pausada, buscando verossimilhança.
E assim seguirá a economia narrativa de "No intenso agora", documentário de João Moreira Salles. A revolução cultural de Mao Tse Tung na China surge em contraponto a revolta estudantil de maio de 68 na França. Fica a impressão de que a primeira venceu, a segunda terminou em farsa, acordo com os patrões. Na China, porém, todos são iguais. Não há espaço para a liberdade individual, pois a liberdade diferencia. E numa sociedade de iguais não pode haver diferença.
Lá pelas tantas, ouvimos do narrador: " A maior propaganda anti-comunista é a tristeza de Berlim oriental".
Conheci essa tristeza, ou o que restou dela, em 2015, quando percorri a Karl Marx Allee, na antiga Berlim oriental. Tristeza do vazio das grandes alamedas sem vida.
O documentário de João Moreira Salles incomoda. Incomoda pois o ponto de vista narrativo é conservador. 
M.S.V.

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