Há certos livros que nos
acompanham durante anos em releituras sucessivas. Por quase uma década, Em busca do tempo perdido, de Marcel
Proust, foi meu livro de cabeceira. Naquela época, nos anos oitenta, carregava
sempre comigo um dos sete volumes da Busca.
Certa vez, durante uma viagem, um
vidro de perfume que trazia na mala quebrou, molhando o exemplar de Proust.
Quando abri minha bagagem no hotel, as páginas de À sombra da raparigas em flor, o segundo volume da série, na bela
tradução de Mario Quintana, exalavam o perfume derramado. As folhas de Proust secaram e os
anos passaram, mas até hoje quando abro aquele exemplar o suave perfume me
transporta de imediato para aquele quarto de hotel.
As circunstâncias e o motivo da
viagem desapareceram da memória, mas o cenário do hotel, aquele insignificante momento,
em que nada de especial acontecera, está até hoje vívido na lembrança. Trata-se
apenas de uma cena, ativada pelo toque daquelas páginas até hoje manchadas de
perfume. É a memória involuntária, fenômeno recriado a todo instante naquela
obra, e que tanto fascina os leitores. M.S.V.
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