Para que serve a literatura? Borges costumava responder a esta pergunta com outra: ninguém se questiona sobre a utilidade do canto de um passarinho ou das cores do céu ao entardecer, dizia.
No ensaio que abre a coletânea A cultura do romance (recém chegado às livrarias, e que comentei aqui outro dia), o escritor peruano Mario Vargas Llosa argumenta, com sabedoria e perspicácia, que a literatura e, em especial, o romance, não é um passatempo de luxo, destinado a uns poucos felizardos (geralmente mulheres) que dispõem de tempo livre para a leitura desinteressada. Desses argumentos, copio:
“A literatura não diz nada aos seres humanos satisfeitos com seu destino, de todo contentes com a vida do modo como a vivem. A literatura é alimento dos espíritos indóceis e propagadora da inconformidade, um refúgio para quem tem muito ou muito pouco na vida, onde é possível não ser infeliz, não se sentir incompleto, não ser frustrado nas próprias aspirações. Cavalgar junto ao esquálido Rocinante e a seu desregrado cavaleiro pelas terras da Mancha, percorrer os mares em busca da baleia branca com o capitão Ahab, tomar o arsênico com Emma Bovary ou transformar-se em inseto com Gregor Samsa, é um modo astuto que inventamos para nos mitigar a nós mesmos pelas ofensas e imposições desta vida injusta que nos obriga a ser sempre os mesmos enquanto gostaríamos de ser muitos, tantos quantos fossem necessários para satisfazer os desejos incandescentes de que somos possuídos.” (“É possível pensar o mundo moderno sem o romance?”, In: A cultura do romance, p.26. São Paulo: Cosacnaify, 2009, trad. de Denise Bottmann).
Numa época em que os amantes da literatura podem ser comparados aos membros de uma pequena seita e num tempo em que as paredes das casas não têm mais estantes com livros, o argumento de Vargas Llosa é uma iluminação, mais do que necessária nesses tempos sombrios para a cultura literária.
M.S.V.
No ensaio que abre a coletânea A cultura do romance (recém chegado às livrarias, e que comentei aqui outro dia), o escritor peruano Mario Vargas Llosa argumenta, com sabedoria e perspicácia, que a literatura e, em especial, o romance, não é um passatempo de luxo, destinado a uns poucos felizardos (geralmente mulheres) que dispõem de tempo livre para a leitura desinteressada. Desses argumentos, copio:
“A literatura não diz nada aos seres humanos satisfeitos com seu destino, de todo contentes com a vida do modo como a vivem. A literatura é alimento dos espíritos indóceis e propagadora da inconformidade, um refúgio para quem tem muito ou muito pouco na vida, onde é possível não ser infeliz, não se sentir incompleto, não ser frustrado nas próprias aspirações. Cavalgar junto ao esquálido Rocinante e a seu desregrado cavaleiro pelas terras da Mancha, percorrer os mares em busca da baleia branca com o capitão Ahab, tomar o arsênico com Emma Bovary ou transformar-se em inseto com Gregor Samsa, é um modo astuto que inventamos para nos mitigar a nós mesmos pelas ofensas e imposições desta vida injusta que nos obriga a ser sempre os mesmos enquanto gostaríamos de ser muitos, tantos quantos fossem necessários para satisfazer os desejos incandescentes de que somos possuídos.” (“É possível pensar o mundo moderno sem o romance?”, In: A cultura do romance, p.26. São Paulo: Cosacnaify, 2009, trad. de Denise Bottmann).
Numa época em que os amantes da literatura podem ser comparados aos membros de uma pequena seita e num tempo em que as paredes das casas não têm mais estantes com livros, o argumento de Vargas Llosa é uma iluminação, mais do que necessária nesses tempos sombrios para a cultura literária.
M.S.V.
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