Mario Vargas Llosa é o prêmio Nobel de Literatura de 2010. O resultado, anunciado pela Academia Sueca na última quinta-feira, dia 7, não deixou de surpreender, já que o escritor peruano tem assumido, nas duas últimas décadas, posições públicas cada vez mais distanciadas daquilo que alguns setores ainda insistem em denominar de “posição de esquerda”, e que o Nobel de Literatura não raro costuma consagrar com suas premiações.
A esse sentimento veio somar-se um segundo, que me remeteu de imediato a uma época já longínqua, em que, ainda garoto, descobria a literatura latino-americana. Junto ao colombiano Gabriel García Márquez (também Nobel) e ao argentino Jorge Luis Borges (além-Nobel), o escritor peruano, autor de A Casa Verde, Tia Júlia e o escrevinhador e Conversa na Catedral, entre outros, foi um capítulo fundamental de minha formação como leitor.
Mas, a partir dos anos 90, deixei de ler a ficção de Vargas Llosa. Troquei-a pelos seus artigos na imprensa, e, sobretudo, pelos seus ensaios sobre literatura. Vargas Llosa é um brilhante ensaísta e é impressionante o modo como o escritor peruano defende a necessidade da literatura e da imaginação criadora nos dias de hoje, em que o documental pedomina sobre a ficção. Sua visão de literatura e suas concepções teóricas sobre o romance podem ser conferidas nas coletâneas A linguagem da paixão (Arx, 2002) e A verdade das mentiras (Arx, 2004).
É a escritores como Vargas Llosa que devo o gosto e o vício pela literatura, o encantamento com tramas e estruturas narrativas bem elaboradas e com personagens constituídos, de carne e osso. Sobretudo, o contato com os elementos do imaginário hispano-americano, que permeiam a obra desse escritor, e cujo registro verbal transita entre a história, a ficção e o jornalismo.
Há quem tenha considerado inadequado o Nobel para Vargas Llosa, já que se trata de um escritor “conservador”, um defensor do ideário liberal. Na verdade, o escritor peruano sempre foi um crítico contumaz do autoritarismo em todos os seus matizes e um defensor da liberdade individual. A Academia Sueca justificou a escolha do Nobel a Vargas Llosa por sua “cartografia das estruturas do poder e suas incisivas imagens da resistência individual, da revolta e da derrota”. São essas imagens, aliás, que saltam de sua obra em personagens como Belisario, Zavalita, a Chunga e Pantaleão Pantoja. Ou mesmo na releitura que fez do episódio de Canudos em A guerra do fim do mundo, embora eu considere este um capítulo menor de sua obra.
Em entrevista ao jornal El País, de Madri, o escritor definiu sua literatura como uma “resistência do indívíduo diante do poder, da luta dos homens para salvar sua individualidade num mundo em que a liberdade está acossada”. Mais do que um ficcionista, Vargas Llosa é um intelectual consciente de seu papel público, um escritor que é também testemunha de sua época.
M.S.V.
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