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O Fidel Castro da literatura brasileira


De toda esta polêmica envolvendo o Jabuti de 2010, que deu a Leite Derramado, de Chico Buarque, o prêmio de melhor ficção do ano, em detrimento do primeiro lugar na categoria, Se eu fechar os olhos agora, de Edney Silvestre, duas constatações me parecem inevitáveis.

A primeira delas é a acertada crítica de Ségio Machado, o editor da Record, de que o Jabuti sucumbiu à era do escritor celebridade. “Se eu amanhã publicar um livro infantil da Xuxa, é capaz que eu ganhe o infanto juvenil. Esse prêmio, do jeito que está sendo disputado, poderia ser feito na plateia do Faustão. Ou do Silvio Santos. Porque não tem absolutamente nenhum critério”, declarou à Folha de S. Paulo.

A segunda constatação diz respeito à figura de Chico Buarque, cuja consagração no campo da música (inquestionável, diga-se) acabou por contaminar o julgamento de sua produção no campo da literatura. Transformado em grife, livro de Chico é livro de Chico, e isso independe do mérito.

Quem ousaria, por exemplo, dizer que o título desse livro é muito ruim? Acho, de fato, Leite derramado uma péssima ideia para título de romance. Mas é um título de Chico. Não se pode criticá-lo, do mesmo modo que não se pode criticar Fidel Castro.

É evidente que, em toda essa história, a responsabilidade não é de Chico, mas dos aduladores acriticos que ele encontrou no seu caminho desde o dia em que decidiu fazer carreira de escritor. Inquestionável, absolvido pela história que construiu, creio que Chico Buarque se transformou numa espécie de Fidel Castro da literatura brasileira.
M.S.V.

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