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Maneiras de ver/modos de ler

A imaginação é um caminho para o conhecimento. No Prefácio a Stendhal, o crítico francês Roland Barthes reafirma seus métodos e maneiras de ler uma obra: a sensação enquanto ponto de partida do conhecimento, que era também, segundo Barthes, o caminho de Stendhal. Primeiro é preciso se deixar deslumbrar pelo fenômeno; só depois vem o juízo, “que retoma a sensação, detalhando-a, e acaba por transformá-la em percepção, atividade verdadeira em que todo homem se empenha”. (Roland Barthes, Inéditos, Vol. 2 – Crítica, p. 137).
Esse esquema interpretativo revela-se fértil e necessário, num momento em que o trabalho dos conceitos transformou-se em mera ferramenta com usos generalizados. Por mais de uma vez escutei a frase, dita por colegas: “A análise do discurso é ótima, pois resolve qualquer coisa”. De minha parte, tenho sempre procurado adotar o seguinte procedimento: é o objeto que funda o método, e não o contrário. Pode não resolver muito a situação, mas pelo menos diminui um pouco o mecanicismo metodológico.
Cada vez mais acredito que, como escreve Barthes, “conhecer é ir com ardor à caça da sensação, tirar proveito dos acasos e, ao mesmo tempo, suscitar as ocasiões”. (Idem, ib, p. 138)

M.S.V. 

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