Ainda não comentei aqui o surgimento, em março último, do Sabático, suplemento de O Estado de S. Paulo dedicado à literatura e à cobertura de livros em geral. Circula aos sábados e promete tornar-se um dos melhores cadernos de jornalismo cultural da atualidade. Sugere também que nem tudo está perdido quando o assunto é indústria cultural ou cobertura de livros.
Além de reportagens, entrevistas, ensaios e seção de notas curtas sobre o mercado editorial, o Sabático tem duas colunas fixas dedicadas à crítica. Uma delas chama-se Prosa de Sábado, em que se alternam dois críticos de linhagens distintas: Silviano Santiado (foto), ligado à universidade, e Sérgio Augusto, crítico de jornal. Ambos são expoentes em suas áreas de atuação e, apesar de falarem de lugares opostos, a midia e a academia, suas colunas se aproximam em pelo menos um aspecto: a linguagem.
Tanto um quanto outro escrevem em tom coloquial, mais próximo da crônica do que do artigo. Será necessário uma análise mais detida de suas colunas para delimitar a proximidade ou não em aspectos como temas abordados, uso de jargão, diálogo com o leitor, obras e autores escolhidos, etc. Mas os dois podem ser classificados como críticos-cronistas. Com isso, quero dizer que ambos escrevem para um público geral, para os leitores e não para os especialistas.
Arrisco-me a dizer que o estilo de Silviano Santiago, que fez sua carreira de crítico na universidade, manteve-se a salvo do hermetismo que tem marcado a crítica acadêmica desde a década de 1970. Se pararmos para pensar, nem ele nem Antonio Candido, outro crítico-professor eminente, tiveram suas obras contagiadas pela linguagem hermética que se destina ao público especializado e não ao público amplo. Suas carreiras não anteriores às imposições da bibliometria.
A questão que tanto me preocupa – a linguagem da crítica -- coincide com a análise de Edward Said em Humanismo e crítica democrática. Para ele, existe uma escrita adequada e uma ecrita não adequada. Nas humanidades, é preciso evitar a todo custo o uso do jargão especializado, sob o risco de excluir do debate ou mesmo do acesso ao conhecimento camadas consideráveis de leitores. Escreve Said:
“O humanismo deve ser uma forma de revelação, e não de segredo ou de iluminação religiosa. A especialização como um instrumento de distanciamento saiu do controle, principalmente em algumas formas acadêmicas de expressão, na medida em que se tornaram antidemocráticas e até intiintelectuais.” (Said, E. Humanismo e crítica democrática, p.97, Companhia das Letras, 2007, trad. Rosaura Eichenberg)
Hoje como nunca, especialização e humanismo precisam caminhar juntos. O crítico não pode esquecer de seu papel de mediador, de hospedeiro, e este é um papel público. O caderno Sabático surge com esta vocação.
M.S.V.
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