Sempre que estou numa livraria, em busca de um romance novo (ou antigo) para ler, me divirto lendo o primeiro parágrafo da história. Se o início de um romance me atrai, provavelmente vou continuar a lê-lo. Creio que todo escritor sabe que é preciso fisgar o leitor já nas primeiras linhas. Imagino uma antologia da literatura formada unicamente pelo primeiro parágrafo de romances, novelas e até contos. Transcrevo a seguir três inesquecíveis começos de histórias que li na juventude e que até hoje não cesso de reler.
“O Coronel destampou a lata do café e notou que apenas restava uma colherinha de pó. Tirou a panela do fogo, jogou no chão de barro batido a metade da água e raspou de faca todo o interior da vasilha, até botar na panela o que restava, uma mistura de raspas com ferrugem. Sentado junto ao fogão, em atitude de confiada e inocente expectativa enquanto o café não fervia, o Coronel como que sentiu brotar de suas tripas cogumelos e lírios malignos. Era outubro. Eis uma manhã difícil de vencer, esta, mesmo para um homem de sua fibra, sobrevivente de tantas outras manhãs. Havia cinqüenta e seis anos – desde que acabara a última guerra civil – que ele não fazia outra coisa senão esperar. Outubro era uma dessas raras coisas que chegavam”. (Ninguém escreve ao coronel, de Gabriel García Márquez).
“Era uma noite fria de lua cheia. As estrelas cintilavam sobre a cidade de Santa Fé, que de tão quieta e deserta parecia um cemitério abandonado. Era tanto o silêncio e tão leve o ar, que se alguém aguçasse o ouvido talvez pudesse até escutar o sereno da solidão”. (O Continente 1, de Erico Veríssimo)
Na ardente manhã de fevereiro em que Beatriz Viterbo morreu, depois de uma imperiosa agonia que não cedeu um só instante nem ao sentimentalismo nem ao medo, observei que os painéis de ferro da praça Constitución tinham renovado não sei que anúncio de cigarros vermelhos; o fato me desgostou, pois compreendi que o incessante e vasto universo já se afastava dela e que essa mudança era a primeira de uma série infinita. Mudara o universo mas eu não, pensei com melancólica vaidade”. (O Aleph, de Jorge Luis Borges)
M.S.V.
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