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Modesto balancete de uma viagem de pesquisa


Velhos bondes ainda estão em atividade
Amanhã é meu último dia em Viena.  Hoje, o sol saiu convicto, como poucas vezes vi nesses dois meses em que aqui fiquei.  Aproveitei para fazer algumas compras e, ao contrário do que imaginava, quando caminhava pela cidade, não senti nem tristeza, nem nostalgia. Não fiz passeios de despedida. Nesse período, aproveitei tudo o que pude – e dentro do que estava ao meu alcance. Trabalhei e vivi a cidade no seu cotidiano. Conheci a cultura, os hábitos, os falares, os humores, misturei-me à população em geral. Sei que descortinei apenas um fragmento da cultura desta cidade, em que a germanização, que lhe é própria, cada vez mais se alimenta do multiculturalismo.
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Vim para fazer uma pesquisa documental e tive mais trabalho do que imaginava. Esse tipo de pesquisa, de natureza empírica, tem sempre algo de imprevisível. Passei a maior parte do tempo pesquisando em bibliotecas, fuçando arquivos, consultando material bibliográfico, conversando com especialistas, selecionando fontes primárias e secundárias em coleções e acervos os mais diversos. O saldo é altamente positivo. Os resultados virão a público quando colocar o ponto final no meu estudo sobre os ensaios europeus de Otto Maria Carpeaux.
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Detalhe de um monumento em Heldenplatz
Uma das coisas mais extraordinárias desta cidade é o transporte público. Viena é muito bem servida de ônibus e antigos bondes que funcionam muito bem. O metrô atinge praticamente toda a área urbana de Viena. Nas estações e nos pontos de ônibus, painéis informam com precisão assustadora os minutos que faltam para a chegada do próximo veículo. O uso de bicicletas é comum, há ciclovias por todos os lugares e pontos em que se pode alugar uma delas. Outra coisa que chama atenção é a permissão para animais de estimação entrarem com seus donos no metrô e nos shoppings. Até em restaurante vi isso acontecer. Os cães de maior porte usam focinheiras. Ninguém se importa. Faz parte da rotina da cidade.
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Deixo Viena feliz por ter feito o que fiz, ou seja, pesquisei, estudei, escrevi, aprendi. Respirei 24 horas por dia o tema de minha pesquisa – os papéis de Otto Karpfen – que há tantos anos me mobiliza. Não posso deixar de agradecer a instituição à qual pertenço, a Unesp, pela possibilidade de realizar esse estágio de pesquisa. Os desafios e descobertas que aqui experimentei fazem parte daquilo que sou agora e do que farei daqui pra frente. O mesmo se junta ao outro. A identidade se constrói com a diferença. 
M.S.V.

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